quarta-feira, 26 de abril de 2023

ENCONTRO COM A ARTE-CONTO E IMAGEM DE RUI FELÍCIO


 O HUMBERTO DOS ADÁGIOS

O Café Samambaia estava cheio. Lá dentro e cá fora na ampla esplanada, nenhuma mesa livre.

Aquela bela mulher, curvilínea, irrepreensivelmente vestida, atraía os olhares dos homens, uns de forma disfarçada, outros de maneira ostensiva.

Caminhando por entre as mesas, a Marilia tentava descobrir, sem êxito, um lugar para se sentar. Fixou os olhos negros, amendoados, numa mesa lá ao fundo onde se encontrava o Humberto sózinho, absorto na leitura do Diário de Coimbra.

- Desculpe-me estar a incomodá-lo, mas não consigo encontrar nenhuma mesa livre. Importa-se que me sente à sua mesa?

O Humberto levantou os olhos do jornal, espantou-se pela beleza daquela mulher, puxou uma cadeira e convidou-a a sentar-se, indiferente aos sorrisos da malta que seguia a cena:

- Faça favor! Guardado está o bocado para quem o há-de comer!

A Marilia sorriu, sentou-se e agradeceu:

- É muito simpático. Reparei que foi o único homem que, educadamente, não me comeu com os olhos enquanto eu procurava lugar.

- Estava a ler, e enquanto se cava na vinha não se cava no bacelo, esclareceu o Humberto com um sorriso.

- Você, além de simpático, educado e atraente, é muito engraçado. Está sempre a citar provérbios, disse a Marília com uma gargalhada. E vê-se que é um homem polido e de boas maneiras.

- Polidez pouco custa e muito vale, respondeu-lhe o Humberto  pousando delicadamente a mão na mão dela.

A Marília gostou daquele toque fugidio e carinhoso e retribuiu, pegando-lhe na mão e olhando-o melancolicamente.

O Humberto quebrou o silêncio:

- O que está feito, feito está...

- Como se chama? Gostaria de o conhecer melhor, atirou a Marilia...

- Humberto é o meu nome. Mas é pelo voo que se conhece a ave.

- Julgo que deviamos voar nas asas da fantasia, incentivou ela, sentindo as caricias que os dedos dele faziam nos seus.

O Humberto alongou-se na sua resposta:

- Barco parado não faz viagem. Podemos encontrar-nos logo à noite, se quiser...

- Hoje não posso. Mas podemos ver-nos amanhã, disse ela.

- Há mais marés que marinheiros!

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No dia seguinte jantaram, à luz das velas, num restaurante à beira do Mondego e apanharam um táxi para casa dela.

Beberam um copo, dançaram ao som suave de uma música romântica, sob a ténue e cálida luz de um candeeiro de mesa e uma hora mais tarde beijavam-se sofregamente já deitados na cama.

As caricias trocadas, o calor dos corpos nus, os sussurros, endoideciam a Marilia 

que, já descontrolada, lhe pedia que consumasse o acto de amor.

O Humberto disse-lhe em voz rouca:

- Devagar se vai ao longe e grão a grão enche a galinha o papo.

Mas a Marilia já não podia esperar mais e o Humberto, embora se esforçasse muito, não estava a conseguir.

Ela fez tudo o que pôde para o ajudar mas ele derrapava, gemia, e nada!

Já irritada, ao fim de duas horas de esforços infrutíferos, gritou-lhe:

- Então?!

O Humberto, deixou-se cair para o lado, exausto, e só foi capaz de dizer:

- Roma e Pavia não se fizeram num dia!

Rui Felicio 

----reeditado----'

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