ZÉ FOGAÇA
O Mário do Vale da Azenha, enviuvara já há uns anos.
Mas, naquele sábado, ansiosa, lembrou-se das palavras do pai
no dia do casamento. Lembrou-se dos mexericos que passavam de boca em boca.
Deu pelo toque das avé-marias na torre da igreja e o Zé
Fogaça ainda não aparecera em casa.
Só quando aquele sol de verão a prumo já não dardejava sobre
a aldeia, só quando os seus tons alaranjados prenunciavam a noite é que ela
ouviu o velho cão Mondego latir a correr e esgadanhar na porta. Atrás lá vinha
o marido com três láparos e uma perdiz à cintura.
Suspirou de alívio, e foi a correr pôr a mesa.
Durante os dois meses seguintes, a chegada tardia a casa do
marido, tornou-se um hábito. Calada, a Mariana sofria, chorava, o coração
apertado...
O marido regressava sempre só ao fim do dia e as pessoas da
aldeia já comentavam que a caça dele era outra! Constava que andava metido com
a Carmen, cigana das Carvalhosas de quem se dizia que já tinha estragado alguns
casamentos.
Certo sábado, logo que o marido saiu, entrou-lhe pela porta
do quarto dentro o Mário do Vale da Azenha, esbaforido, de caçadeira debaixo do
braço.
- Foi à caça, meu pai. Você sabe que ele sempre vai aos
sábados.
- Pois hoje também eu vou à caça!- disse-lhe o pai.
- E que caça!, acrescentou por entre dentes.
- Não me quiseste dar ouvidos quando te casaste com ele.
Agora tenho que ir defender a tua honra e a minha que na aldeia o falatório já
é insuportável. Até o Senhor Prior na missa já aludiu ao assunto!
Ao crespúsculo, lavada em lágrimas, por trás da cortina da
sala, viu finalmente o Mondego a abanar o rabo e a ladrar em louca correria
pela quelha acima que vinha do rio.
Logo atrás, o pai e o marido, lado a lado.
Pareciam vir em amena cavaqueira, rindo muito. Afinal, os
seus receios eram infundados!
Veio à porta esperá-los, abraçou-os e encheu o marido de
beijos.
O Zé Fogaça disse-lhe:
E virando-se para o sogro:
- É ou não é verdade, Sr. Mário?
- Sim, é verdade. E além de minha mulher, não te esqueças
que ela vai ser tua sogra! E que, pelas leis da Santa Madre Igreja, será como
se fosse tua mãe!
Rui Felicio
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