quarta-feira, 6 de agosto de 2025

TEXTO DE RUI FELÍCIO


 ZÉ FOGAÇA

 

O Mário do Vale da Azenha, enviuvara já há uns anos.

 Vivia só com a Mariana, sua filha, que era a rapariga mais bonita da aldeia. Fez tudo para que ela não casasse com o Zé Fogaça. Mesmo no dia da boda, já ela estava vestida de noiva, foi ao seu quarto e fez a derradeira tentativa para evitar o casamento. O Zé Fogaça era um mulherengo, já tinha tido um ror de namoros. Andava com elas uns tempos e depois abandonava-as.

 Mas o amor dela era muito forte e casou com ele. Já lá iam dois anos e ele sempre a encheu de carinhos. A fama do Zé Fogaça não era mais do que fruto da maledicência da aldeia…

Mas, naquele sábado, ansiosa, lembrou-se das palavras do pai no dia do casamento. Lembrou-se dos mexericos que passavam de boca em boca.

Deu pelo toque das avé-marias na torre da igreja e o Zé Fogaça ainda não aparecera em casa.

 Ainda de madrugada, ele saíra de casa. Tinha ido à caça como era costume aos sábados mas, ao contrário do habitual, não regressara pela hora do almoço.

Só quando aquele sol de verão a prumo já não dardejava sobre a aldeia, só quando os seus tons alaranjados prenunciavam a noite é que ela ouviu o velho cão Mondego latir a correr e esgadanhar na porta. Atrás lá vinha o marido com três láparos e uma perdiz à cintura.

Suspirou de alívio, e foi a correr pôr a mesa.

Durante os dois meses seguintes, a chegada tardia a casa do marido, tornou-se um hábito. Calada, a Mariana sofria, chorava, o coração apertado...

O marido regressava sempre só ao fim do dia e as pessoas da aldeia já comentavam que a caça dele era outra! Constava que andava metido com a Carmen, cigana das Carvalhosas de quem se dizia que já tinha estragado alguns casamentos.

Certo sábado, logo que o marido saiu, entrou-lhe pela porta do quarto dentro o Mário do Vale da Azenha, esbaforido, de caçadeira debaixo do braço.

 - O teu homem?

- Foi à caça, meu pai. Você sabe que ele sempre vai aos sábados.

- Pois hoje também eu vou à caça!- disse-lhe o pai.

- E que caça!, acrescentou por entre dentes.

- Não me quiseste dar ouvidos quando te casaste com ele. Agora tenho que ir defender a tua honra e a minha que na aldeia o falatório já é insuportável. Até o Senhor Prior na missa já aludiu ao assunto!

 Logo que o pai saiu porta fora, a Mariana caiu de bruços na cama e chorou convulsivamente. Não sabia o que mais a afligia. Se o que o pai ia fazer ou se confirmar que o marido a andava a enganar.

Ao crespúsculo, lavada em lágrimas, por trás da cortina da sala, viu finalmente o Mondego a abanar o rabo e a ladrar em louca correria pela quelha acima que vinha do rio.

Logo atrás, o pai e o marido, lado a lado.

Pareciam vir em amena cavaqueira, rindo muito. Afinal, os seus receios eram infundados!

Veio à porta esperá-los, abraçou-os e encheu o marido de beijos.

O Zé Fogaça disse-lhe:

 - Vai te preparando! Vais ter uma madrasta! O teu pai vai-se casar com a Carmen! Há meses que ela anda apaixonada por ele e me pede para eu o convencer a casar-se com ela.

E virando-se para o sogro:

- É ou não é verdade, Sr. Mário?

- Sim, é verdade. E além de minha mulher, não te esqueças que ela vai ser tua sogra! E que, pelas leis da Santa Madre Igreja, será como se fosse tua mãe!

 

Rui Felicio

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