Também gosto de um dia cinzento. Daqueles em que não preciso de sair à rua, não preciso de olhar constantemente os ponteiros do relógio, nem de me preocupar com o pão fresco... Como é bom ter o lume aceso, ter pó de café para pôr na cafeteira que fumega, pão endurecido para espetar no garfo e torrar ao calor das brasas!
Agora, por falta de agilidade das mãos, já não dá para fazer
mais umas luvas de cinco agulhas para oferecer aos netinhos, nem para tricotar
uma nova camisola; também já não tenho a tia para me levar ao tear, senão ia
cortar tiras de tanta roupa gasta... Pronto, este dia cinzento vai ser
deliciosamente vivido! Em vez de lareira, tenho braseira eléctrica no estrado
da camilha, a cafeteira expresso espuma a chávena de café, a torradeira solta torradas
amarelas e quentinhas e eu, se já não seguro tão bem como antes a caneta, posso
teclar as palavras no computador ou folhear aquele livro que tanto gosto de
ler... Posso encostar a testa à vidraça e, de chávena, na mão a perfumar o ar,
posso olhar aquele tempo de menina a correr para a escola de saquinho de livros
a tiracolo sobre a bata branca e um caldeirinho de brasas suspenso das mãos.
Aquele caldeirinho feito duma grande lata de atum presa por um arame aos dois
furinhos que o tio lhe fizera... Também posso ver os perus da ti Laura a correr
ao meu encontro para me picarem e eu a correr a chamar-lhes feios...; Ver a ti
Zefa a descer as escaleiras com a vianda pronta para dar ao marrano guardado na
cortelha... Ai!, como é bom viver este meu dia cinzento, de chuva e de
lembranças!...
Georgina Ferro
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