sexta-feira, 29 de outubro de 2021

 

SEM SINAL …

Quis fazer penitência. Nesta romaria entre cafés e restaurantes, muitos têm sido os elogios ao peixe fresco. E a Baco, materializado em vinho, cerveja e aguardente da rija. A Baco até se fazem brindes à Sua saúde, como se a Divindade romana não fosse imortal. Com o fígado a protestar,  fiz uma jura que ia fazer uma cura de Águas de Espiche. Levei a peito a intenção até a campainha da porta da rua tocar freneticamente. Abri e dei com um Coronel de Artilharia com cara de poucos amigos. É o meu vizinho do mesmo piso, aqui do 6º Frente. Irritado, perguntou – me se eu tinha “sinal” na televisão nos nossos canais TDT. Disse – lhe que também não e até acrescentei que desconfiava das operadoras do Cabo a querer vender serviços, ou seja, a fazer sabotagem numa linguagem muito militar. Num jogo de cortesias, mandei – o entrar. Bom conversador e Engenheiro formado no Instituto Superior Técnico com alta nota, enveredou pela carreira militar. Sentados a olhar o mar, falou-me orgulhoso das suas origens transmontanas e do lema “antes quebrar que torcer”. Relembrou o seu tio bragantino que naquela época remota dos anos 50 do século passado, resolvia as querelas à paulada. Confidenciou – me que falava corretamente o dialeto mirandês e diverti – me com algumas traduções. Também lhe falei do meu humilde e obscuro passado das armas em África, e das minhas míseras divisas milicianas em contraponto com os galões doirados dele. Então pediu – me que falasse mais alto, porque a rapaziada de Artilharia com o ribombar dos canhões está toda surda. Uma franqueza que só lhe ficou bem.

Depois falou – me das Unidades Militares que comandou e, nesta jogo de amabilidades, convidou – me para a casa dele, que era na porta ao lado e lá fomos logo em compungida procissão. E foi aí que a minha jura de negar naquele dia Baco, caiu por terra. Quando dei por mim, tinha um copo na mão a fazer brindes ao presente e ao futuro. E lá se despejou a garrafa.

Voltei para o meu refúgio depois de mais um caloroso aperto de mão ao meu vizinho militar, pedi desculpas a mim próprio e acabo solenemente de prometer que farei uma trégua vinícola. A menos que o “sinal” da televisão desapareça outra vez e a campainha da porta toque de novo, com o meu amigo Coronel de novo irritado e acabarmos outra vez o dia de copo na mão. E a clamar por vingança e justiça a tiros de artilharia …

Kito Pereira      

1 comentário:

  1. Penitência é-o que todos nós( nem todos) fazemos todos os dias para levar a existência a bom fim....
    Mas fazer penitência por causa do sinal TV bebendo um bom tinto....é uma pausa na dita penitência!!!
    0brigado Quito pelo texto que se lê, fazendo também uma pausa na minha penitência...

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