quarta-feira, 26 de outubro de 2022

QUOTIDIANO DO CAFÉ DO SR SILVA-BAIRRO NORTON DE MATOS -COIMBRA

QUOTIDIANO DO CAFÉ DO SR. SILVA 

Nota.Esta foto acrescentada pelo blog, mostra a esplanada do café Caravela do Sr Silva. Numa das cadeiras está sentada Celeste Maria Carvalho  Ferreira da Tabacaria Celeste!

Ao fundo, o balcão envidraçado pejado de bolos de arroz , jesuitas, duchaises, pasteis de nata e de Tentugal, brioches, queques...

Em cima dele num dos cantos, um pequeno barril de madeira que escondia a serpentina por onde corria a cerveja e que o Sr. Silva, dono do Café, de manhã e à tarde aconhegava com bocados poliédricos que ia partindo com uma martelo de uma enorme barra de gelo.

Na parede, destacado, um diploma de Tirador de Cerveja em nome do dono do Café.

Numa mesa, ao canto, o Afonso, o Silva, hóspede, que vivia num quarto alugado no primeiro andar, o Elói e o Munhoz, jogavam aos dados.

Ao lado, noutra mesa, o prof. Ilharco, de lunetas redondas encavalitadas na ponta do nariz, impacientava-se e intimava o Sr. Silva a ultimar o trabalho de meter gelo no barril para se vir sentar para uma partida de damas. 

No meio do ruido dos dados a rebolarem estrepitosamente no tampo da mesa ao lado, o Afonso ia apontando num papel, os tentos de cada parceiro, sempre sob o olhar desconfiado do Munhoz que não se cansava de dizer que ele queria ganhar na secretaria.

O Sr. Silva, de cabelo preto arrepiado da frente para trás, entretanto já sentado em frente ao prof. Ilharco lá ia movimentando as pedras, carregando fortemente naquela que acabara de deslocar.

Fitava o Ilharco e sentenciava com ar melifluo:

- Vou lhe colocar aqui um prego!

- Ah! Você disse um prego, articulava o Ilharco pensativo, fazendo uma careta...

Na mesa ao lado, o Eloi, pausadamente, proclamava:

- Poker de ases!

E o Sr. Silva, sem despregar os olhos do tabuleiro das damas:

- Ele disse poker de ases...

E o Ilharco:

- Ah, você disse que ele disse poker de ases. Mas se não se pôe a pau, como lhe três e faço dama.

- E eu como-lhe a dama! Aqui não há pão para malucos...

- Ah. Você disse malucos...

- E o Munhoz na mesa do canto, ao mesmo tempo que chocalhava os dados dentro do copo de cabedal, antes de os lançar:

- Ah, ele disse que lhe comia a dama! Olha, fullen de reis por valetes. De mão! Aponta aí, Afonso!

Entra o Feliciano, de livros debaixo do braço:

- Sr. Silva, queria um café e um bolo.

- Tire-o. Sirva-se! O café são oito tostões e o bolo doze, respondia-lhe o Sr. Silva sem tirar os olhos do jogo das damas e estendendo a mão para receber o dinheiro.

- Vou-lhe fazer o pé de galo, dizia o Ilharco quando ficou com três damas contra uma.

E o Munhoz:

- Ele disse que lhe vai fazer o pé de galo!

Entre dentes, o Silva resmungava:

- Para isso tem de me tirar do rego.

- Ah, você não sai do rego...assim também eu, dizia o Ilharco, contrariado.

- Está de esquina! Não vale!, dizia o Afonso ao Eloi que reclamava uma sequência máxima.

- Pois, é como eu digo. O gajo ganha sempre na secretaria, berrava o Munhoz com um murro na mesa que fez o dado esquinado assentar numa das faces.

- De esquina? Qual esquina?, respondia-lhe o Eloi apontando para os dados. agora sem nenhum de esquina, depois do murro do Munhoz..

Era assim o dia a dia no Café do Sr. Silva...


Rui Felicio

 

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