PEDRA DE TOQUE
De onde em onde, educado mas pouco falador, de bigode de pontas retorcidas, chapéu de aba larga e fato cinzento, o Sr. Almiro aparecia montando na sua bicicleta preta.
Por cima da roda traseira, atada ao selim com uma forte tira de cabedal, transportava uma caixa de chapa verde com duas grossas fechaduras de ferro, onde se escondia uma grande quantidade de peças de ouro, que os olhares dos homens e das mulheres do bairro trespassavam, sonhando com a riqueza ali fechada a sete chaves.
Era um ourives ambulante que, ciclicamente, visitava as casas do bairro para tentar vender as peças que trazia consigo ou para comprar aquelas que, com vergonha e tristeza, longe das vistas da vizinhança, alguns lhe vinham oferecer, a troco do dinheiro que lhes fazia falta para fazerem face à dureza da vida.
Ainda jovem, numa dessas vezes, observei, curioso, a forma como o Sr. Almiro, antes de estabelecer o preço, testava a natureza e a autenticidade do ouro dos fios, das pulseiras, dos anéis, dos brincos, dos colares, que uma vizinha se propunha vender-lhe.
Trazia consigo uma pedra negra e, concentrado, nela fazia um risco com cada peça de ouro. Olhava-o, mirava-o, soprava-lhe e depois pesava a jóia numa pequena balança incrustada na caixa de chapa metálica.
Só muitos anos mais tarde vim a saber que o método de avaliação, de grande simplicidade e eficácia, velho de séculos, consistia em comparar o risco feito naquela pedra pela peça de ouro a comprar, com outro sulco que já lá estava, vincado anteriormente por um pedaço de ouro verdadeiro já devidamente testado.
O seu olhar experiente, determinava, assim, pela comparação da similitude ou da diferença dos dois sulcos, a autenticidade ou não do metal da jóia que se aprestava para comprar.
O sopro destinava-se a verificar se do risco que fizera, saiam algumas poeiras, sinal de que a liga metálica, nesse caso, não era pura, que continha mistura de outros minerais menos nobres e que tinham ficado depositadas no vinco.
Soube, anos depois, que essa pedra negra, que pode ser um pedaço de basalto, de jaspe ou mesmo de ardósia, se chama “pedra de toque”.
Passados tantos anos, imagino que seria bom sujeitar os nossos governantes à pedra de toque. Porque se assim fosse, muito poucos escapariam ao lugar que lhes compete: caixote do lixo...
Rui Felício
Sem comentários:
Enviar um comentário