domingo, 4 de junho de 2023

A CANETA MÁGICA-TEXTO DE RUI FELÍCIO

CANETA MÁGICA

( Em homenagem a um grande amigo...)

Ofereceram-lhe aquela caneta de tinta permanente, quando ele foi para o liceu, dizendo-lhe que era uma caneta mágica. Aparo prateado, corpo luzidio mesclado de manchas avermelhadas e uma tampa onde sobressaía uma mola para a prender no bolso do casaco.

Apesar de criança ainda, não acreditava muito nessas coisas de mágicos. Sempre foi um miúdo pacato, incrédulo, humilde. Procurava mais passar despercebido do que sobressair no meio dos seus amigos. Mas ficou a pensar naquelas palavras. Havia de experimentar…

A fantasia dos seus verdes anos levava-o para etéreos pensamentos, procurando descobrir uma maneira de testar a magia da caneta. Tinha de o fazer de forma cautelosa, para não incorrer na risota dos colegas.

Um dia disse à Belita, sua amiga e vizinha, que a caneta fazia magias. Apontou-lha e pronunciou em voz cava e soturna, como tinha visto fazer uma vez a um ilusionista do Circo Maravilhas que esteve um tempo junto ao Estádio Municipal:

- Eu caneta mágica, vou te fazer rir às gargalhadas!

A Belita, que não esperava aquela teatralidade, para mais vinda da parte dele, desatou a rir, nem ela sabia bem porquê. E quanto mais sério era o ar dele, mais ela se ria, em gargalhadas sonoras, incontroladas.

Afinal, parece que a caneta era mesmo mágica, pensou ele na sua ingenuidade de criança.

Não se ficou por ali. Tinha que fazer outra experiência que confirmasse a primeira.

Para dar maior solenidade e aparato, tal como fazem os mágicos, desenroscou a tampa e pediu para a Belita abrir a mão. No mesmo tom de voz que parecia sair das profundezas, disse-lhe:

 - Eu caneta mágica, ordeno-te que chores agora!

Ao mesmo tempo, apertou com força a caneta e, sem querer, do fole onde estava depositada a tinta, saiu em jacto, um esguicho azul escuro para a palma da mão que a Belita mantinha estendida.

E não é que ela desatou a fugir com a mão a escorrer tinta, gritando pela mãe e a chorar convulsivamente?

Está visto, pensou ele, não há dúvida que esta caneta que me ofereceram é mesmo mágica!

Foram precisos alguns anos para que ele finalmente percebesse que a prova da magia não estava naqueles circunstanciais episódios de infância, mas sim nas palavras que, a mando dele, a caneta vertia para o papel.

Ainda hoje, mais do que nunca, a magia daquela caneta se faz sentir.

Ainda hoje mais do que nunca, quem lê o que ela escreve, não resiste a rir, a chorar, a pensar, a meditar, a comover-se, conforme as palavras que ela desenha no papel.

Afinal quem lhe ofereceu aquela caneta tinha razão!

Essa caneta que o Quito continua hoje ainda a usar é mesmo mágica!

Rui Felicio


1 comentário:

  1. O Quito continua a fazer magia com a escrita. E o Rui também.
    Abraço aos dois.

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