O COMETA
O Eduardo, empregado do Banco Pinto e Sotto Mayor, era um marido exemplar, respeitador da Beatriz com quem tinha casado na Igreja de Santa Cruz, há uns cinco anos. Amava-a, satisfazia-lhe todos os caprichos, não se passava uma semana em que não aparecesse com um ramo de flores para lhe oferecer. Viviam num apartamento na Solum, que compraram com empréstimo do Banco onde ele trabalhava.
Mas o Eduardo ainda não lhe tinha dado o filho que ela tanto
desejava. A Beatriz vivia triste, desiludida, infeliz. Refugiava-se na lida da casa, não tinha amigas. Passava noites em claro, sozinha na cama, enquanto o Eduardo deambulava pelo Penedo da Saudade e pelo Choupal, de pescoço esticado a olhar para as estrelas e a tomar apontamentos.
O Eduardo, nascido na aldeia, nunca se habituara à cidade. Aliás, detestava viver em Coimbra. Era um apaixonado pela astronomia, passava noites em branco a olhar as estrelas, devorava livros e enciclopédias que falassem de fenómenos celestes, de planetas, de galáxias...
Um dia decidiu vender o apartamento, pedir um novo empréstimo ao Banco e comprar um terreno com uma pequena e velha casa em S. João do Campo. Convenceu a Beatriz a mudarem-se para lá. Cumpriria assim o sonho de viver longe da poluição luminosa da cidade que não o deixava observar os astros. A Beatriz poderia ocupar o tempo, dedicando-se ao cultivo do pequeno terreno, plantando tomates, pepinos e toda a sorte de legumes que ajudariam a equilibrar o orçamento caseiro.
Ao principio, a Beatriz ainda mais infeliz andava, mas aos poucos começou a sorrir, as cores avivavam-lhe o rosto, trabalhava na horta desde o nascer do sol até à noite. O Herculano, que amanhava uma terreno do pai perto da aldeia, era ainda primo afastado do Eduardo, e ajudava-a, ensinava-lhe os segredos da agricultura.
Naquele ano de 1986, chegou o grande dia e o Eduardo andava eufórico! O cometa Halley ia passar perto da Terra. Antes de jantar avisou a Beatriz que ia passar a noite em Verride, junto ao Mondego para ver o cometa. Ia levar o telescópio e observar a aproximação do cometa, que seria visto no seu auge por volta das cinco da manhã.
A Beatriz simulou pena, encolheu os ombros e disse-lhe para ele ir descansado, que não se preocupasse. Porque ela o que queria era vê-lo feliz.
O Eduardo agradeceu, aproximou-se para lhe dar um beijo de despedida a que ela, no ultimo instante, correspondeu com um leve toque dos lábios no seu rosto.
Passada uma hora bateu á porta o Herculano. Entrou, e perguntou à Beatriz:
- Queres ver o cometa?
- Não! Quero é ver, agarrar e sentir o teu telescópio explorando as profundezas do meu universo...
Um ano depois, o Eduardo, a Beatriz são um casal feliz, na companhia do tão esperado filho nascido há pouco mais de dois meses.
É o Pedrito, lindo rapaz que, diz-se na aldeia, é a cara chapada do seu primo afastado...
Rui Felicio
-------reedição-------
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