quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

ANGÚSTIA PARA O JANTAR ...

Se jogasses no Céu, morreria para te ver ...


Sete de Fevereiro do Ano da Graça de dois mil e doze, nasceu radioso. Porém, o frio é cortante, pelo que me barriquei no meu escritório. Estou num estranho desassossego.
Longe, lá longe, na laboriosa Vila da Feira, está montado o palco dos sonhos. Ou da desilusão. À medida que as horas vão passando, vai aumentando a minha ansiedade. Tenho uma folha à minha frente, para confirmar uma soma. Três vezes a somei e três vezes me deu resultados diferentes. Decididamente, estou desconcentrado. Mais tarde, ligou o Rui Felício, já o Sol tinha descido sobre a Serra do Moradal. Falámos do seu conto e rimos com outras peripécias do protagonista. Inevitável não falar da Académica e da esperança de chegarmos ao Jamor. Depois desligámos e cada um foi à sua vida.
São quase oito da noite. Está um frio cortante. Embrulhado no casaco saio da farmácia. Passo ainda pelo “Portas da Serra”. Ao redor da lareira olham-me em silêncio, até que um parceiro mais afoito me diz a sorrir: “ Senhor Pereira, hoje é o seu dia”. Saio então porta fora, enquanto vou dizendo para com os meus botões : “Deus te oiça”.
Sozinho, rumo a Castelo Branco. No “Tabuinhas”, a temperatura já ronda os zero graus. Entro na cidade e dirijo-me à “Arena di Verona”. E ali, naquele lugar, sento-me a uma mesa previamente marcada, junto ao televisor panorâmico.
Já não estou sozinho. A minha mulher acompanha-me, nesta Via Sacra. Explico-lhe que precisamos de marcar um golo nos primeiros vinte minutos, para decidirmos a eliminatória. E, aos dezoito minutos, aconteceu o que não se esperava. Marcou o antagonista. A São Vaz, não resiste ao revés e vai-se embora. Fico de novo sozinho.
O restaurante está vazio. O Hugo, dedicado funcionário, benfiquista assumido, pressente a preocupação no meu rosto. Solidário, fica ali ao meu lado, de mãos atrás das costas, enquanto me diz: “VAMOS VIRAR ISTO”. Num ápice, renasceu a esperança. Marcámos e o Hugo partiu para os seus afazeres. Foi sol de pouca dura. O Helder Cabral, jurou que me havia de matar naquela noite !!!
O intervalo, foi de todas as angústias. Vou beberricando um vinho branco italiano, e o Evis Andriguetti , vem para junto de mim. Fala-me do Chievo de Verona, clube do seu coração. Mas eu nem o ouço. Estou absorto nos meus pensamentos.
A conversa assume agora contornos mais dramáticos. O italiano fala da crise e das suas preocupações. Mas eu quero lá saber da crise! Estou de olhos colados na televisão a viver todas as peripécias do jogo.
O Evis, vai continuando o seu exercício de auto-flagelação. De olhos grandes e tristonhos, diz-me da saudade que tem da sua Itália. Por segundos, mantém-se em silêncio, à espera o conforto das minhas palavras.
Não o defraudei: abri os braços e dei-lhe um abraço do tamanho do mundo e gritei em plenos pulmões : GOLOOOOOOOOO !!!.
E foi assim que deixei a “Arena di Verona”. A navegar na Barca dos Sonhos.
Q.P.

10 comentários:

  1. A 1ª Taça de Portugal também se vai pronunciar, daqui a bocadinho.

    ResponderEliminar
  2. Se em vez de Arena di Verona, se chamasse CygerCafé da Ericeira.
    Sem em vez de Evis Andriguetti o dono se chamasse Leopoldo e fosse do Benfica.
    Se em vez de Hugo o empregado se chamsse João.
    Se em vez de uma temperatura amena, a cena se passasse na esplanada do CyberCafé com quase "zero graus negativos" ( isto de se ser fumador tem destes inconvenientes porque lá dentro não se pode esfumaçar ).
    Se em vez de de a paisagem ser a da Serra da Gardunha fosse a do Ocenao Atlântico ali ao lado.
    Se em vez de ter a São ao lado, a companhia fosse a de uma brasileira de tantas que cirandam pela Ericeira.
    Se em vez de. nas mesas ao lado, estar a ouvir falar da crise do País em vez da crise do Sporting.
    Se o meu estilo de escrita tivesse a qualidade e as caracteristicas do estilo da escrita do Quito.
    Se...
    Se...
    Então o texto do Quito poderia perfeitamente ter sido escrito por mim, naquela noite de 7 de Fevereiro.
    Porque no essencial, a angústia para o jantar era a mesma a duas centenas de Kms de distância...

    ResponderEliminar
  3. Anda muita gente preocupada se ganhamos ou deixamos de ganhar a taça, mas o meu sonho termina quando vir um Jamor a abarrotar de adeptos de uma Causa, que transcende um mero clube de futebol. Sim, porque muitos há (que não o meu caso) que não escondem outros amores clubísticos, mas que apoiam e respeitam a Causa Académica que é ética e humana, que promove o conhecimento, a meritocracia e que muitas vezes foi, porque não dizê-lo, também política.

    Dizer que não se gosta da Académica porque já se está comprometido com um dos três clubes da moda para a vida, é o mesmo que dizer que não se gosta de pernas de rã por já se gostar de frigideiras. Enquanto os outros são clubes de futebol que por mero acaso têm equipas de hoquei patins, a Académica é uma Causa que por acaso tem uma equipa de futebol ... :)

    Por essa razão, o triunfo dessa Causa será encher o Jamor de capas ao vento entoando Briosas e, não esquecer, FRAs; e no fim a taça ... que se lixe a taça ... :) Quero apenas o abraço sentido do meu pai, num dia que tantas vezes sonhámos viver juntos !! Bora lá paizão !! :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. De acordo com o Gonçalo,menos num pormenor:a Taça é para trazer!
      Se não o conseguirmos,ao menos que nos esforcemos para tal!
      Já agora lembro um detalhe:saí de Coimbra em 1964 e só regressei em 1975.
      Até 64,sempre que íamos jogar a Lisboa,fazia parte do ritual ir dar palha ao cavalo do D.José!
      Não sei se o ritual acabou,pois nunca mais ouvi falar nele...
      Alguém se lembra disso?

      Eliminar
    2. Há coincidências engraçadas. Ainda esta semana enquanto fazia a viagem para o trabalho me lembrei disso ...

      Eliminar
    3. Várias vezes participei nesse ritual de alimentar o cavalo do D. José no Terreiro do Paço.
      Espero que a tradição se cumpra, ao menos por este ser um jogo especialissimo.
      Recomendo, porém, aos actuais estudantes que tiverem a lembrança de o fazer, que levem a factura da compra do fardo de palha, antes que o Gaspar, que trabalha ali mesmo ao lado, se lembre de mandar instaurar um processo de contra-ordenação por fuga ao fisco.

      Eliminar
  4. Pois tu reflastelado, embora acompanhado pela São e não sei por quantas cadeiras vazias...mas que deu aos slaides logo à primeira contrariedade, copiando o que lhe tinha contado, quando vou aqui em Coimbra ver a Académica, que abandono o Estádio assim que a equipa visitante marca primeiro...!!!
    Já me aconteceu nem estar 5 minutos nas bancadas!!!
    Mas desta vez em Vila da Feira-vi quase 50% do jogo! o primeiro golo da Oliveirense não me causou pânico para a debandada, pois não podia dar o mau exemplo e não ajudar os Briosos da Mancha Negra a gritarem quando o guarda redes dos vermelhos repunha a bola quando ela saí pela linha de fundo!
    Era assim: enquanto o dito gurada redes tomava balanço para bater a bola para meio campo-tinhamos que gritar:umumumumumumumumumumumumumumumumumumumu(estás a fazer este barulho?), assim que batia na bola, saía de uma só vez: FILHA DA PUTA!!!Ora treina lá! Para a final no Jamor!
    AH! pois, agora é assim!É para destabilizar o pobre do guarda redes!!!
    Claro que é um FILHA DA PUTA DESPORTIVO-nada se tem contra a mãe dele!
    Estás a perceber?
    Mas aguentei sempre a gritar abraçando os do lado nos golos, mesmo não os conhecendo como agora se faz na missa!Percebes?
    Se ficares no Jamor a meu ledo e a Académica marcar um golo levas um xôxo numa bochecha!
    Depois destas emoções todas ainda estive com o Lino Zé, que não vai em futebóis por causa destas modernices!!!, mas ofereceu-me uma saborasa FOGAÇA da Feira, que aqui para os nossos lados chamam REGUEIFA-vá lá saber-se porquê!
    Adeus!

    ResponderEliminar
  5. Gostei muito da prosa! Mais um interessante conto do Quito! E gostei muito dos comentários!
    Que a Académica traga a Taça para Coimbra! Quem eliminou o FCPorto, merece ganhar tudo!...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Que grande elogio ao Fêquêpê!
      Depois não me benhas dizer que num perceves nada de futebol...
      Mas axo que tens toda a razom.

      Eliminar
  6. E temos o Quito a navegar entre a angústia e a sua necessidade de comunicação com os amigos.
    E que bem que o faz!
    Vivi, com ele, a sua noite de angústia e naveguei, com ele, até à Barca dos Sonhos.
    Obrigado, querido amigo.
    Muito bom!

    ResponderEliminar