quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

AUSÊNCIA ...




Ausência ...

Ao crepitar da lareira, já não se contam histórias. A ausência tomou conta deste lugar. Apenas o rubro clarão do azinho a arder, concede ao espaço amplo e soturno, alguma vida. As cadeiras vazias, lembram o passado. Um passado de tormentos, contados na primeira pessoa. Todas as conversas – todas – iam parar ao fundo do poço da mina. 

Falava-se de volfrâmio. Falava-se de escravidão. Falava-se de perseguições. Falava-se de doença. Um a um, os lugares foram ficando vazios. Apenas o lume se mantém no seu posto, porque é imortal.

Ele - o Manuel Luís - resistiu o que pôde. Comigo e com a lareira, dialogámos a três. Depois, partiu. Partiu para a galeria dos heróis anónimos. Esperei-o na berma da estrada. Quis despedir-me dele. Um esquife humilde, coberto por um pano preto e apenas um singelo ramo de flores, compunham o quadro funesto. E um cortejo de povo cabisbaixo – poucos – que olhavam fixamente as pedras cor de cinza da calçada.

Ausência. Tudo é ausência. O dono do café, refugia -se atrás do balcão. De companhia, dois desempregados, que ali vêm escoar-se a esperança e os dias claros. Faces caídas, olhares perdidos. Por vezes, o estabelecimento é sacudido por uma revoada de passantes. Bebem algo à pressa ao balcão e partem na aventura de sobreviver. Muitos, trazem na roupa que envergam, a marca do caminhar dos dias. Gente de labor.

Lá de dentro, de uma sala fria e húmida  – por vezes gélida - exala um aroma penetrante a comida acabada de fazer. Um ou outro caminhante, passageiro do Tempo, sentado numa mesa de madeira forrada com uma toalha de papel, reconforta o estômago para o recomeço da jornada. Uma televisão, encostada a uma parede branca, fala sozinha. As notícias do dia, ditas em catadupa, parecem não ter nexo. Ninguém as ouve. Ninguém lhes dá atenção.

Findo o repasto, o cliente retira-se. Remexe no fundo dos bolsos, na procura de uma nota ou das moedas que permitam pagar a refeição barata. Apenas cinco euros, é o preço do almoço e da sobrevivência. 

Depois parte. A sala, mascarada de restaurante, fica vazia. O amplo salão desconfortavel,  permanece escuro e sem vida. Resta a lareira, a crepitar de memórias. E a ausência.
Quito Pereira


29 comentários:

  1. Tudo partidas, Quito. Ontem pensei muito em ti.
    Um abraço.

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    1. Há silêncios que falam mais que um turbilhão de palavras ...~
      Abraço, Chico

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  2. Em algumas circunstâncias, pior do que a ausência definitiva, é a ausência presente; aquela que se presencia, diariamente, morrer...

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    1. Nas pequenas comunidades, uma cadeira vazia numa lareira de café, tem muito de inquietante. O fogo do azinho, ajuda a alimentar as memórias ...
      Abraço, "Chama a Mamãe" ...

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  3. Mais um belo quadro, de fortes pinceladas em cores fortes e escuras, que Aquilino Ribeiro não desdenharia.
    Obrigado, Quito.

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  4. Ontem, justamente na lareira que serviu de palco ao texto, sozinho, lembrei os ausentes. Cheguei ao escritório e dedilhei as teclas com que articulei as palavras ...
    Um abraço, amigo Viana ...

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  5. Um bom texto, mas muito triste! infelizmente é este o quadro do que se passa em todo o país! Hoje vive-se melhor? Sim, penso que sim, mas socialmente andamos todos mais isolados! As conversas à volta da lareira eram bem saudáveis e animadas.

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    1. Estou completamente de acordo contigo Alfredo....
      Quito, o teu texto é bastante oportuno e faz-nos pensar nos relacionamentos entre as pessoas quão difíceis são !!!!!!
      Quantas ausências me vêm à cabeça neste momento.....

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  6. As lareiras vão ficando silenciosas, remoendo memórias, cada vez mais sós!
    Gostei de te ler, Quito.

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  7. É tão as nossas terras do interior...

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  8. Outro texto muito tocante que, como sempre, gosto de ler. Passa-se algo parecido por todo o país e ficamos tristes, muito tristes, quando pensamos nisso
    Um beijo amigo vôvô babado

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  9. Não, não ando ausente. Venho por aqui logo de manhã para ver se alguma postagem, ou já deu à estampa, ou se está anuncida e assim passar a rascunho a que tinha programada...
    Hoje foi a do Quito , cuja chama do fósforo anuncia uma "Ausência"...mas que não é a minha!
    É um título que nos convida mais uma vez a entendermos o que se vai passando por estas terras, vilas ou aldeias de Portugal do interior. Numas mais do que outras a vida dos habitantes que vão resistindo, vai-se finando, caso não seja por doença fisica, acabará por ser pela solidão, que gera o desespero por uma existência sem esperança...
    Depois o que vai restando!
    Resta o que o Quito nos conta neste texto! O que outrora ainda dava um pouco de vida á taberna/restaurante, um a um vai perdendo quem ainda dava dois dedos de conversa sentados à lareira! Menos um amigo a quem o Quito ouvia as suas histórias, os seus lamentos de uma vida de sacrifícios...
    A lareira talvez vá continuando acesa e quem sabe, outras conversas o Quito ainda vai ouvindo...

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  10. Ah!. Nesm tudo são tristezas! Uma das minha ausências de hoje foi, PASMEM-SE o Futebol!!
    Fui ver a Académica jogar com o Rio Ave!!! 2 pares de meias, um fato de treino, várias camisolas, dois cascóis, um boné.... e vi a Académica GANHAR pela primeira vez esta época em Coimbra!
    Ora digam lá se não valeu a pena!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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    1. Gostei muito que lá tenha ido, Rafael.
      Assim amanhã já não me preocupo com o "calinas" que vai falar na vitória e muito provávelmente nem diz se é da AAC ou de que desporto.
      Oram digam lá que isto não é um grande blogue
      Obrigado.

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    2. Errado, Chico Torreira! Se isto fosse um blogue tínhamos, pelo menos, o resultado do jogo, quem marcou os golos, para que competição contava este jogo, enfim...a única coisa que sabemos é que a Académica ganhou ao Rio Ave.
      Depois desta presença que o Quito marcou com esta "Ausência", eu começava a ter esperanças que isto deixasse de ser uma espécie de blogue. Mais uma desilusão.

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    3. Só Deus sabe o que me custa dizer que estou de acordo com o Sr. Viana da Olga!
      Isto, de grande Blog não tem nada, isto é, isso sim, uma espécie de Blog. Fiquei a saber que o Dom Rafa, foi ver o jogo e nem cuecas levou, não sei qual a intenção, mas ele diz que valeu a pena, é porque valeu!!!...
      É por isso que eu não gosto de futebol, 90 e tal minutos, a ver uma data de homens a querer uma bola e quando a apanham, dão-lhe um pontapé, isto no meio de uma assistência predominantemente de homens, todos aos gritos e eu sem cuecas!!!... Não, comigo não contem.

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    4. Interessante! O Viana da Olga; O Dom da Celeste; o Quito da São Vaz;o Chico da Lucinda(?);a Daisy do Alfredo; e a São Rosas, afinal, é de quem? rsss
      As "lareiras" desta terra quente são, geralmente,os fornos de barros para fazer a farinhada;os fogões à lenha (ai, como a comida sai boa feita nesse tipo de fogão,e ainda bastante utilizado, especialmente na área rural); ou o próprio clima, que não deixa de ser uma espécie de... "lareira".

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    5. ...Alffredo eu CU levava...são faltavam as ECAS!
      As ECAS no futebol não deixam expandir todo o entusiasmo quando festejamos um golo!!!
      No caso da AAC é raro! Mas temos que ir prevenidos!

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    6. Toma lá a capa do Diário de Coimbra:
      Ganhámos 1 a 0 Golo de Magique.
      Assistência: Eu e mais uns Malucos....
      Diariodecoimbra

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    7. Diz que estavam lá mais de 5O gaijos, já a contar com os árbitros, os treinadores e os suplentes. Foi uma enchente ...

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    8. Basta estar o Rafaelito para ser uma enchente.

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    9. Até me faltava o ar...o que me provocava dores intestinais!

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    10. Chama a Mamãe!

      Para que não haja dúvidas, o Chico foi e é casada com essa jóia chamada Lucinda e não com uma uma outra que lhe dão o nome de Laurinda. Nunca namorei, nunca vivi , nem nunca conheci uma Laurinda. Só vivi com a Lucinda, o que foi um erro tremendo porque só tarde a conheci.

      Ainda há pouco tempo aqui quando um meu colega de sexo disse num comentário que uma senhora "era de..." foi logo chamado à atenção porque a mulher não é de ninguém, com o que concordo plenamente. Só que se é o caso contrário, tudo bem, ninguém diz nada. Não haja dúvidas que a subjugação dos homens de agora pelo sexo oposto, deixa-os de tal maneira extenuados que nem reagem pois não seria políticamente correcto, tal é a supremacia da mulher.

      Bem... lá vamos para a guerra dos sexos...

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    11. Um teu "colega de sexo"?! Tens que me contar isso com detalhes, Chico. E desenhos...

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    12. Chico, na tua frase "Só vivi com a Lucinda, o que foi um erro tremendo porque só tarde a conheci" é a mais linda declaração de Amor.
      Que tu saibas, portanto, redobrar o "tempo perdido" (que nem perdido foi, realmente).
      Parabéns. Admiro quando um homem expõe o seu sentimento assim, de forma tão simples e pura. Está pouco se lixando se homens não deveriam se portar assim! Isso, sim,é que é ser HOMEM na verdadeira concepção da palavra.

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  11. Com esta participação, não tive nem tenho a intenção de pintar cores escuras. Apenas traduzir realidades. O interior é um outro universo. Um universo segregado pelos corredores do poder. Um interior envelhecido. Restam as paisagens deslumbrantes de Monsanto, a imponência da Serra da Estrela com os seus lagos gelados nesta altura do ano.
    Obrigado a todos pela participação...à volta da lareira ...

    PS - Ó Rafa, só ganhamos jogos a feijões ...em Alvalade vai ser outro descalabro ...

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  12. Estás enganado Quiro A Taça da Liga dá euros por vitória em jogos!!!!
    Não vai não em Alvalade mas fazer uma surpresa...vamos com 14 jogadores de campo, logo de inicio.

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  13. Obrigada Quito, pelo quadro que tão bem descreveste.

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