A Rua do Rossio ...
Há um passado que se percorre no presente. Da estrada
asfaltada, viramos pela rua empedrada rumo ao coração da aldeia. Chamam - lhe a
Rua do Rossio. À direita, subindo a calçada, um desfilar de casas. Casas belas,
de traça antiga, que não passam despercebidas ao visitante. Centenas de vezes a
percorri. Centenas de vezes me cruzei com gente que me cumprimentava com um
sorriso afável e educado. Uma vez a percorri, cabisbaixo, atrás do carro
funerário do Manuel Luís que rumou ao Alentejo. Ele, o Senhor Manuel Luís, que
apoiado na sua bengala ao calor da lareira do ”Portas da Serra” me contava
histórias de pasmar dos tempos da Panasqueira e do volfrâmio. Quero lembrar e
não quero lembrar o momento triste de me despedir dele. Mas, do Rossio, também
tenho boas memórias. A loja dos correios na esquina da casa da Junta de
Freguesia, e a amabilidade da Margarida que ali trabalhava e sempre me atendia
com um sorriso. Por vezes, esperava pela minha vez. No dia de receber as
reformas, os idosos esperavam ordeiramente a chamada. E a Margarida muito
concentrada no contar do dinheiro e da responsabilidade de que no fim tudo
desse certo. Lembro a mercearia da Dona Elisa, com as bilhas de gaz à porta e
outros artigos para venda. Sentado no banco corrido de pedra em frente da Junta
de Freguesia, eu olhava a casa do Professor Rafael Agostinho e recordava as
nossas conversas de fim de tarde. Dali, daquele lugar estratégico, eu observava
percurso de vidas que se cruzavam. De gente que se conhecia nesse bem supremo
de não se ser anónimo numa floresta de prédios, em que cada homem é uma ilha
rodeada de gente por todos os lados. O Salgueiro do Campo, também tem o seu
Rossio, como a grande capital lisboeta. Mas o Rossio do Salgueiro, quiçá bem
mais modesto, tem o que as grandes urbes não terão – a chave da solidariedade
fraterna, que só uma aldeia de afetos pode dar.
Quito Pereira
A Rua do Rossio em Salgueiro do Campo - Beira Baixa, vista pelo traço de um seu habitante - o meu amigo Rafael Marques.
ResponderEliminarGosto da imagem pintada por um salgueirense.
ResponderEliminarGosto da prosa inconfundível do Quito Pereira que nos teletransporta para um mundo desconhecido de vivências como se lá estivéssemos realmente.
Gosto do aforismo com que encerra a crónica.
Mas uma coisa em Salgueiro do Campo não pode ser feita: tentar meter o Rossio na Betânia.
Pela simples razão de que ali não há a rua da Beresga...
Errata: onde se lê Betânia leia-se Betesga e onde se lê Beresga leia-se igualmente Betesga
ResponderEliminarO gajo que fez os algorítmos do dicionário do google devia levar um tiro bem no meio da testa...
EliminarO passado que se recorda no presente!
ResponderEliminarTambém tive o meu ROSSIO na minha infância. Era ali que se jogava a bola e se faziam umas feiras.
Mas do meu ROSSIO só tenho as lembranças de menino.
Hoje já não existe.
O progresso transformou toda aquela zona numa paisagem moderna, com jardim e pavilhão desportivo(ou multiusos, como agora se chamam).
Mas confesso que foi uma mudança para melhor.
Mas o meu Rossio está sempre presente dentro de mim.
Obrigado Quito pelo excelente texto!
O texto do Quito, mais me convenceu, se é que alguma vez tive dúvidas: Preferia viver no Rossio de Salgueiro do Campo, do que no Rossio de Lisboa...
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