Quem muito fala pouco bebe.
A missão do homem, por aqui, não vai muito além de garantir a espécie e perpetuar o conhecimento como principal herança. Não estamos muito longe de qualquer outra espécie animal. Se umas o fazem por instinto, a nossa fá-lo com método, com memória e com rituais.
Já pensaram o que seríamos se cada um de nós, ao morrer, levasse a sua sabedoria para a tumba? Quão triste seria se todo o ser humano necessitasse de recriar aquilo que a geração anterior tenha descoberto e produzido! Em 80 anos não aprendemos nem inventamos tanto como isso, pois a conquista do espaço deve imenso à descoberta do fogo, tal como os grande prémios de Fórmula 1 devem muitíssimo à descoberta da roda.
O que será, então, que garante que ninguém precise de reinventar as coisas previamente já descobertas? A resposta é simples: a escola. Não me refiro ao conceito stricto sensu; estou a pensar num sentido lato: a escola é a família, é o trabalho, é a rua, é a aldeia, é o clube, são os amigos e é, obviamente, a escola mesma. Ensinar é um ato de uma generosidade sem medida, é a maior dádiva que se pode fazer, mesmo que nem pensemos nisso.
Prometi a mim mesmo e ao visado que um dia contaria a história. Coisa simples, mas duma lógica irrepreensível, em que a aprendizagem informal molda os carateres e hoje falamos dos mestres com saudade.
Esse meu amigo era ainda um jovem agente de seguros que fazia equipa com o Queirós, um experiente profissional, raposa velha, que o instruía a falar pouco e observar tudo muito atentamente. Faziam o seu trabalho junto dos produtores de vinhos da Bairrada. Não daquelas companhias de nomeada; apenas pequenos produtores que sabiam que necessitavam de proteger a sua produção das intempéries, para que a trovoada ou a geada não varresse para o chão o sustento.
O mestre ensinara-lhe uma pequena frase que devia dizer nos momentos estratégicos do dia e nas diversas visitas.
Os assuntos tratavam-se nas adegas e os contratos eram assinados em cima das pipas à volta de dois copos de tinto. Mas, para isso acontecer, havia algumas conversas a cumprir.
Naquele dia, o mestre e o discípulo chegaram à adega do Sr. Rentes, em Sepins, e as hostilidades abriram-se logo à volta da provadeira. Copo para um, copo para outro e o jovem lá disparou a única frase que podia dizer: “Ó Queirós, este sim, este é vinho! Agora… o outro que bebemos há um bocado…” deixava a frase no ar e torcia o nariz.
O Rentes não teve dúvidas e perguntou: “De onde é que vêm?” O Queirós lá lhe explicou que vinham da adega do seu vizinho, sempre um potencial rival. “Ah, e ele fez algum contrato? ¬ – perguntou de sobrancelha levantada. “Então não fez? Três mil quilos!” – atirou o Queirós. “Três mil quilos? Onde é que ele tem três mil quilos? Então olhe, só por causa das coisas, coloque aí no meu três mil e quinhentos!” E pronto, estava o negócio feito e a correr a contento de todos.
Depois de saírem da adega do Rentes, o Queirós virou-se para o aprendiz e disse: “Mais um! Isto hoje está a render bem! Vamos agora visitar ali o Sr. Custódio e depois ainda passamos no Cardoso na descida para a Mealhada.
- “A sério, ó Queirós? Não sei se consigo, pois já vou no oitavo copo e ainda nem almocei!”
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