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Os meus anos de menina
A Ti Mariana estava
sentada nas escaleiras a remendar as ceroulas do Ti Júlio. Era uma tarde fria e
escura. Tinha vindo para a rua porque os olhos choravam e lá dentro não via
nada nem conseguia enfiar a agulha.
_ Eu posso enfiar, se vossemecê quiser! Mas hoje
choram-lhe tanto os olhos! Quer que vá a casa pedir os óculos do meu tio? Ele
só os põe quando lê o jornal e a minha tia também os põe para coser.
_ Ai minha cachopita, és mesmo uma menina linda!
_ Sabe, amanhã a Menina Lurdes vem de férias! As
minhas primas vieram pelo Natal, agora só vêm no Verão. E as suas filhas também
vêm?
Foi então que reparei que os olhos da Ti Mariana já
escorriam pela cara abaixo e o lenço não conseguia enxugar as lágrimas!
_ Não vêm, não, minha filha!... Este ano não tivemos
batatas para vender e as castanhas gearam. Por isso elas não vieram pelo Natal
nem vêm passar a Páscoa. Não arranjámos dinheiro para os bilhetes. A Mourisca
pariu, mas a vitelinha vai fazer-nos falta para o trabalho porque a mãe já está
a ficar velhota! O que nos valeu foram as “chibas” que tiveram chibinhos e o
meu homem vendeu quatro na feira de Alfaiates para podermos mandar o dinheiro
para pagar o colégio.
E a tia Mariana ia falando, mais para ela do que para
mim, ( penso eu agora) porque ia baixando a voz e levantando a aba do
avental para esconder o rosto, eu “cuidei” que ela já tinha o lenço todo
molhadinho!
_ Ti Mariana, não chore! Eu vou num instante a casa e
trago-lhe o meu mealheiro. Já lá tenho pesetas e tostões. Até já tenho uma
moeda de vinte e cinco tostões, que me deram os meus padrinhos. E pode comprar
o bilhete para elas virem. Está bem?
Ela abraçou-me com tanto carinho como se eu fosse uma
das suas filhas, mas disse-me que o bilhete tinha de ser comprado com notas. O
senhor cobrador da camioneta não aceitava moedas.
_ Mas eu vou falar com o senhor Ismael e ele de
certeza que aceita!... Pode ser?!
Por mais que me explicasse eu não consegui perceber
porque a Ti Mariana chorava e ria ao mesmo tempo!...
Georgina Ferro
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