Eram os últimos dias do mês de Maio de 1954. O mês de Maria e do terço. O mês dos dias crescidos, de sementeira do linho, mês de cuidar dos batatais, das hortas, de levar as vacas ao lameiro. Era o mês de um corropio constante desde o lusco-fusco ao tombar na cama logo após a ceia.
A Ana já tinha oito anos. Era uma mulherzinha. Já partilhava os afazeres do lar com os pais .
_ Ana, Anaaaa! Empina-te-te filha! Já te chamei três vezes! Vá ergue-te que o pai já está quase a acabar de ordenhar a Malhadinha!
A Ana bem ouvia, mas o sono era tanto!... Só quando a mãe lhe gritou pela terceira vez, já "enfadada" , é que a garota se sentou na cama esfregou os olhos e sorveu o ar perfumado a café acabado de assentar com uma brasa incandescente.
_Ai Rábia te pele, filha. O pai já quer ir fazer a cama à vaca e ela ainda na loja! Toma, veste o vestido. Tens o avental nas costas da cadeira. Já pus água quentinha no lavatório.
A Ana ia acordando e como um autómato ia obedecendo à mãe com a lentidão de quem precisava de mais uma hora de aconchego dentro das mantas.
_ Deite-me a sua benção, minha mãe! - pediu ela de mãos postas.
_ Que Deus te abençoe, minha filha. Vá, pula da cama! Avia-te que já tens a malga com o pão migado. "Inda bem-não" soam as seis e a vaca não come nada. E não pode ficar lá no lameiro "por mor" do milho já bem nascido no "tchão" da ti Marizé!
E a Ana acordou de vez. Lavou a cara e sem grande apetite foi engolindo as sopas de café com leite. Num guardanapo atado pelas quatro pontas já estava uma fatia de pão com presunto para a Ana levar. Começavam a dar as seis horas no relógio da torre.
A cachopa já ia de pés descalços porta fora quando a mãe a fez voltar para calçar as alpargatas. Só então desceu as escaleiras do balcão para pedir a benção ao pai que a esperava no curral.
E lá foi ela atrás da vaca que marcava a passada com o seu bamboleio e o tilintar da "chocalhinha" Passaram o portal ainda antes das seis e meia.
A Ana aconchegou-se no cantinho da parede voltado para o nascer do sol e embrulhou-se melhor no xale que trazia pelas costas. Tinha as mãos "arreganhadas". Bem podia ter trazido o livro da lição para estudar melhor, mas nem disso se lembrara! Quando chegasse a casa ainda teria de ir ver bem os significados (lembrou-se ela). Achava que não os tinha decorado muito bem! Mas a lição já a lia bem como lhe reparara o pai. Uma libelinha roxa veio tirá-la daquela modorra que a prendia. Levantou-se e foi tentar apanhá-la naquele constante poiso aqui, poiso ali... Já te apanhei.... quase, quase... Oh!, já fugiu para longe.
Um lagarto verde já espreitava o sol numa lage da parede. Era hora de comer a merenda e ir levar-lhe um miolinho de pão. Não tardaria o toque das oito e um quarto. Tinha de se apressar a voltar a casa.
Deram as oito e meia quando atravessava o povoado.
À chegada foi "um ver se te avias"! A vaca foi para a loja. A Ana foi lavar as mãos, tirar o avental sujo e vestir um lavado, pentear o cabelo e prendê-lo com uns ganchinhos de arame para não irem para os olhos enquanto escrevia. E ala que se faz tarde. Saquinho de sarja a tiracolo com os livros e a pedra de ardósia.
Georgina Ferro