sexta-feira, 4 de abril de 2014

CONTRABANDO


Toda a gente sabe que fazer contrabando é o acto de introduzir num País, e depois vender, mercadorias à margem do controle aduaneiro, por forma a que não lhes recaiam os impostos que as leis do Estado sobre elas fazem incidir.
O contrabandista obtém assim um lucro ilegal equivalente ao valor desses impostos.
O que muita gente não saberá é a origem da palavra, tão antiga como o tempo do Império Romano.
Do latim e segundo o Direito Romano, “bandus”, literalmente, designava os editais que o poder executivo emitia divulgando e impondo de forma solene, os regulamentos, ou, na actual e simplista terminologia, significaria a publicação dos decretos do Governo.
Fazer circulação de mercadorias ao arrepio das leis do poder executivo, era, pois, actuar “contra o bando”. Por contracção, degenerou em fazer “contrabando“…
É curioso como hoje o significado da palavra “bando” está ligada a um conjunto ou grupo de malfeitores, já ninguém lhe atribuindo o seu significado original, mas sim a sua aplicação aos marginais incumpridores das leis.
 

Mas vale a pena pensar:
A etimologia das palavras, mesmo quando degeneram, é importante para se perceber que não é por acaso que, mesmo inconscientemente, muitas vezes as utilizamos pejorativamente, na sua profunda e verdadeira acepção.

Ou seja, contra o “bando”, no sentido de edital, ou numa conotação extensiva, contra o poder que os publica.


Rui Felicio

16 comentários:

  1. Ao ler este interessante artigo de Rui Felício - neste caso vestindo as suas roupagens de jurista - lembrei-me de Torga e do seu conto "Fronteira". Os amores de Isabel e Robalo, que de guarda passou a contrabandista, num conto de que recomendo a leitura e todo o seu complexo desenvolvimento e que balança entre o amor e o ódio. De quem fazia do contrabando o seu modo de vida e a implacável perseguição dos agentes da lei, em tempos em que se disparava primeiro e se perguntava depois...

    Desconhecia a origem da palavra "bandus -bando". Agora, pela pena do jurista - escritor, fiquei elucidado.

    Uma postagem que valoriza o blog. Obrigado, Rui.

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    1. Um conto belíssimo, Quito, que releio sempre com muito agrado. Dos contrabandos e contrabandistas, lembro as histórias que o meu sogro contava (também ele passava algum...), mas desconhecia também a origem da palavra.
      Aprender até morrer!
      Obrigada, Rui.

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  2. Eu e' que agradeço a ambos, os comentarios.
    O Quito apelou a leitura e a Teresa recordou o, do conto sobre este tema que Miguel Torga intitulou de Fronteira, localidade onde tudose desenrola e em que muitos dis seus habitantes faziam do contrabando o ganha pao e o sustento das suas familias.
    Ou seja, actuavam contra o bando que os governava, deixando os esquecidos na raia sem alternativas de sobrevivencia.
    E onde o amor florescia indiferente ao odio..

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  3. Gostei desta aula, dada por quem sabe do assunto.
    Estamos sempre a aprender!
    Já agora lembro aqui a Canção do contrabandista e que tantas vezes ouvi na minha juventude:

    O CONTRABANDISTA




    Quem se lembra do fado-canção de Alberto Ribeiro, que foi grande sucesso lá pelos anos 40 ou 50, “O Contrabandista”?



    Ai! Não há maior desengano

    Nem vida que dê mais pena

    Do que a vida do cigano.

    Atravessar a fronteira

    Para ser atravessado

    Por uma bala certeira.

    E tudo porque o destino

    Que fez dele um peregrino,

    Companheiro de luar

    Um triste judeu errante

    Que não tem pátria nem lar!

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    1. Atento, o Rafael traduz o que aqui é dito com música.
      Não é por acaso que a música é cultura, porque ela revela as coisas importantes da história de um povo.

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    2. Lembro-me muito bem desta triste e linda canção. Em casa me ensinaram que nem sempre os ciganos eram gente que roubava ou enganava. Em Oliveira do Hospital, durante anos, os ciganos acampavam ao fundo do nosso quintal. Meus Pais lhes cediam água, alguns mantimentos e até roupas. Nunca fomos roubados. Eu brincava com os miúdos e a única coisa que me preveniam era que não encostasse a cabeça à deles, por razões óbvias. Hoje os tempos mudaram e já nem precisam de atravessar fronteiras para comprar e vender "mercadorias" ilícitas.

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  4. Aprende-se sempre, com agrado, lendo o que o Rui escreve.
    Talvez vocês não saibam, muito provavelmente nem o Rui, que os contrabandistas do final do Séc XIX e início do Séc. XX, na raia junto a Vilar Formoso, tinham um dialecto muito pessoal para que os guardas da fronteira não os entendessem. O meu tio-avô, nascido naquelas bandas, em Malhada Sorda, sabia esse dialecto e, por tanto o repetir, também aprendi algumas frases:
    À MATRIZ MEIA XOINA MAQUINAMOS TOTIOS RETA FRECHA. DEGALHAL 50 XULOS, XAIRA VIANDE E FUGANTE PARA ANDANTE.
    Traduzindo:
    Amanhã à meia-noite vamos todos atravessar a fronteira. Cada um leva 50 duros (moeda corrente), aguardente, carne e pistola para o caminho.

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    1. Ora mais uma achega para este tema tão interessante.
      Continuamos a aprender.
      A tradução é fantástica!

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    2. Obrigado Alfredo pela achega que desconhecia. E que, contudo, tem uma lógica inatacável. Era preciso codificar as conversas para tornear as escutas dos policias e vigilantes que combatiam o contrabando.

      Veio me à lembrança um dialecto ainda em uso na região de Mira D'Aire, a que se chamou o "Minderico".
      Trata-se de uma linguagem hermética só do entendimento dos negociantes e feirantes que, entre si a usam, para esconderem dos clientes os reais preços até onde estão dispostos a baixar no regateio da venda das suas mercadorias.

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  5. Como a pedagogia bem feita nos atrai.
    É o escritor e pedagogo Felício que de uma forma simples e exacta nos oferece este Contrabando desmistificado.
    Já cai na "esparrela" de um desses aldrabões em Espanha há muitos anos...Ainda não tinha lido Torga e muito menos o Rui!

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  6. As voltas que o mundo dá «o bando continua a governar (sempre assim foi)».
    Tonito.

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    1. Tens razão Tonito.
      O Bando era a forma como os castelhanos apelidavam a Casa Real que os governava e que emitia as leis que instaurava os impostos sobre as mercadorias importadas.
      Seguramente que essa designação provinha do latim Bandus que, como procurei explicar estava na origem da força dos poderosos sobre o povo em geral.
      Então como hoje.
      Lá como cá...

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  7. As memórias avivam-se e fazem-nos recordar alguns factos que julgávamos desaparecidos, basta, neste contexto, um texto, um título!
    Bem pequena ouvia minha avó Clementina, transmontana, falar, em surdina, de alguém que estava rico porque andava no volfrâmio, minério muito requisitado em tempo de guerra.
    A busca de riqueza e de poder são mesmo incontornáveis na condição humana!
    A tertúlia vai animada e enriquecedora. Venham outros temas para a conversa, Rui.

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  8. E hoje aprendi muita coisa, com o esclarecimento do Rui Felício e os comentários. Bem hajam.

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  9. E muito aprendi hoje ao vir até aqui para saber novidades. Obrigada meus amigos pelos ensinamentos.
    Um belo domingo
    Lekas

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