A solidão em tons de poesia ...
Caminhava em ritmo de samba, bamboleando os ombros, quando
atravessava o Rossio. Alto, pernas arqueadas e cabelo negro e longo, o Peri da
Pituba era mais um habitante da noite de Lisboa.
Ali, junto a um muro, com uns
papelões no chão, dormiu por muitos anos. Sobrevivia do que ia vendendo na
Feira da Ladra. Ele, o Peri da Pituba, já tinha sido um homem rico. Passeava-se
de “Rolex” no pulso, no valor de setenta mil euros.
Perivaldo Lúcio Dantas, nasceu no Brasil, lá para os lados de
Itabuna. Cedo se percebeu que tinha jeito para lidar com a “redondinha”. Entre
outros clubes de nomeada, defendeu as cores do Botafogo e do Palmeiras.
Também vestiu a camisola amarela da Seleção canarinha - a sua
suprema glória. Fez parte da mais
brilhante equipa do Brasil, corria o ano de mil novecentos e oitenta e
dois.
Jogou ao lado de Zico, Falcão e Sócrates – Dr. Sócrates, como
tem o cuidado de dizer. De facto, Sócrates, exímio jogador de futebol, tinha a
profissão de médico.
Peri da Pituba, nascido em berço humilde, viu-se de repente
na condição de homem abastado. Deslumbrou-se. E um dia, não resistiu ao apelo
que lhe vinha do Oriente, de jogar a bola a troco de nove mil dólares por mês,
e partiu para a Ásia.
Foi sol de pouca dura. Talvez pelo impacto da diferença de
hábitos e costumes, Perivaldo não cumpriu integralmente o acordo, dando um
pontapé num contrato de cem mil dólares por dois anos.
Um dia, depois de uma vida errante, chegou a Lisboa, já na
fase descendente da sua carreira, mas ainda com um bolso cheio de notas.
Notas que foram desaparecendo, uma vez que não arranjou
trabalho naquilo que melhor sabia fazer – jogar à bola.
Na noite da capital, arranjou amigos. Bons e maus amigos.
Maus, aqueles que lhe foram sugando o dinheiro que lhe pediam emprestado e
nunca mais devolveram. Outros, que pura e simplesmente o roubaram. Acabou na
miséria e assim se manteve, vagueando pela cidade que lhe deu guarida, durante
vinte e quatro longos anos. De bom, o nunca se ter enredado nos caminhos
tortuosos da droga e nem sequer fuma ou fumou um simples cigarro. Percebe-se
que fala com sinceridade.
Perivaldo, tem noção de que não soube orientar a vida. Diz: “
andei montado num cavalo, agora ando montado num burro e o burro sou eu”.
Faz uma sentida referência à mãe e dos avisos que ela sempre
lhe fez e a que ele não deu a devida importância. E assume, com uma modéstia
exemplar e por inteiro, toda a responsabilidade pela sua triste e desgarrada
vida.
Porém, ao ouvir falar este homem, percebe-se que não é um
ex-atleta como muitos outros, refugiando-se em frases feitas ou dizendo um
amontoado de vulgaridades.
Peri da Pituba, tem uma alma grande e uma gargalhada
desconcertante. Tão desconcertante como as suas fintas, que deixavam os
adversários pregados ao chão. Trauteia música brasileira, que escolhe de acordo
com a letra das canções. E fala de solidão.
Aí, o seu rosto negro de feições bem definidas, toma um ar
grave e as palavras brotam-lhe dos lábios grossos em tons de poesia.
Depois
transfigura-se e o rosto ilumina-se, quando fala da sua condição de “negrão”. Afirma,
com uma alegria que derrota qualquer um, que em Portugal é costume dizer-se “
que todos os pretos são fotocópia, só o Lúcio é diferente, é original ”. E dá
mais uma sonora gargalhada.
Perivaldo Lúcio Dantas, regressou ao Brasil. Um movimento de
solidariedade que cresceu no país que o viu nascer, permitiu que este homem
regressasse às suas origens. Na hora do adeus, faz uma alusão aos seus sessenta
anos de idade e diz que quer morrer devagar.
Afirmou, quando partiu, que ia ter boas recordações de Portugal.
Não se mostrou ácido para com o Destino. Nem revolta para com os que o roubaram
ou se aproveitaram da sua inocência de homem bom e crédulo.
Crente também na Proteção Divina, quando visitava as igrejas
da capital portuguesa, afinal o último reduto de esperança dos mais
fragilizados da vida.
Perivaldo - o Peri da Pituba - antiga estrela do futebol brasileiro
e mundial, não é um cidadão vulgar. Tem um coração do tamanho do mundo. Porque
apesar da sua Via Sacra neste recanto lusitano, onde passou todo o tipo de
privações e sem um teto para dormir, chora com saudades de Lisboa …
Quito Pereira