sexta-feira, 27 de junho de 2014

PERI DA PITUBA ...




A solidão em tons de poesia ...

Caminhava em ritmo de samba, bamboleando os ombros, quando atravessava o Rossio. Alto, pernas arqueadas e cabelo negro e longo, o Peri da Pituba era mais um habitante da noite de Lisboa. 

Ali, junto a um muro, com uns papelões no chão, dormiu por muitos anos. Sobrevivia do que ia vendendo na Feira da Ladra. Ele, o Peri da Pituba, já tinha sido um homem rico. Passeava-se de “Rolex” no pulso, no valor de setenta mil euros.

Perivaldo Lúcio Dantas, nasceu no Brasil, lá para os lados de Itabuna. Cedo se percebeu que tinha jeito para lidar com a “redondinha”. Entre outros clubes de nomeada, defendeu as cores do Botafogo e do Palmeiras.

Também vestiu a camisola amarela da Seleção canarinha - a sua suprema glória. Fez parte da mais  brilhante equipa do Brasil, corria o ano de mil novecentos e oitenta e dois.  

Jogou ao lado de Zico, Falcão e Sócrates – Dr. Sócrates, como tem o cuidado de dizer. De facto, Sócrates, exímio jogador de futebol, tinha a profissão de médico.

Peri da Pituba, nascido em berço humilde, viu-se de repente na condição de homem abastado. Deslumbrou-se. E um dia, não resistiu ao apelo que lhe vinha do Oriente, de jogar a bola a troco de nove mil dólares por mês, e partiu para a Ásia.

Foi sol de pouca dura. Talvez pelo impacto da diferença de hábitos e costumes, Perivaldo não cumpriu integralmente o acordo, dando um pontapé num contrato de cem mil dólares por dois anos.

Um dia, depois de uma vida errante, chegou a Lisboa, já na fase descendente da sua carreira, mas ainda com um bolso cheio de notas.

Notas que foram desaparecendo, uma vez que não arranjou trabalho naquilo que melhor sabia fazer – jogar à bola.

Na noite da capital, arranjou amigos. Bons e maus amigos. Maus, aqueles que lhe foram sugando o dinheiro que lhe pediam emprestado e nunca mais devolveram. Outros, que pura e simplesmente o roubaram. Acabou na miséria e assim se manteve, vagueando pela cidade que lhe deu guarida, durante vinte e quatro longos anos. De bom, o nunca se ter enredado nos caminhos tortuosos da droga e nem sequer fuma ou fumou um simples cigarro. Percebe-se que fala com sinceridade. 

Perivaldo, tem noção de que não soube orientar a vida. Diz: “ andei montado num cavalo, agora ando montado num burro e o burro sou eu”.

Faz uma sentida referência à mãe e dos avisos que ela sempre lhe fez e a que ele não deu a devida importância. E assume, com uma modéstia exemplar e por inteiro, toda a responsabilidade pela sua triste e desgarrada vida.

Porém, ao ouvir falar este homem, percebe-se que não é um ex-atleta como muitos outros, refugiando-se em frases feitas ou dizendo um amontoado de vulgaridades. 

Peri da Pituba, tem uma alma grande e uma gargalhada desconcertante. Tão desconcertante como as suas fintas, que deixavam os adversários pregados ao chão. Trauteia música brasileira, que escolhe de acordo com a letra das canções. E fala de solidão.

Aí, o seu rosto negro de feições bem definidas, toma um ar grave e as palavras brotam-lhe dos lábios grossos em tons de poesia. 

Depois transfigura-se e o rosto ilumina-se, quando fala da sua condição de “negrão”. Afirma, com uma alegria que derrota qualquer um, que em Portugal é costume dizer-se “ que todos os pretos são fotocópia, só o Lúcio é diferente, é original ”. E dá mais uma sonora gargalhada.

Perivaldo Lúcio Dantas, regressou ao Brasil. Um movimento de solidariedade que cresceu no país que o viu nascer, permitiu que este homem regressasse às suas origens. Na hora do adeus, faz uma alusão aos seus sessenta anos de idade e diz que quer morrer devagar. 

Afirmou, quando partiu, que ia ter boas recordações de Portugal. Não se mostrou ácido para com o Destino. Nem revolta para com os que o roubaram ou se aproveitaram da sua inocência de homem bom e crédulo.

Crente também na Proteção Divina, quando visitava as igrejas da capital portuguesa, afinal o último reduto de esperança dos mais fragilizados da vida.

Perivaldo - o Peri da Pituba - antiga estrela do futebol brasileiro e mundial, não é um cidadão vulgar. Tem um coração do tamanho do mundo. Porque apesar da sua Via Sacra neste recanto lusitano, onde passou todo o tipo de privações e sem um teto para dormir, chora com saudades de Lisboa …
Quito Pereira    
   

16 comentários:

  1. Na altura do movimento de solidariedade que permitiu que regressasse ao Brasil, que foi relatdo nos jornais e TV, apercebi-me desta história que o Quito agora tão bem conta!
    Bom texto para um tempo de de tanta exltação futebolista por causa dum Mundial, do nosso descontentamento!!
    E a propósito:




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  2. Vi a história deste homem na TV em duas partes.
    Excelente reportagem e excelente texto que reporta muito bem a vida de um homem interessante,alegre, inteligente e ainda com laços afectivos ( alguns deles reatou-os agora)...
    A solidariedade tira-o do dormitório dos sem-abrigos e lá vai até ao seu país.
    Vidas enviesadas...

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  3. Que lindo o que acabas de escrever, Quito. O Peri da Pituba já conheceu o bom, o mau e pelo que se lê tem convivido com os feios. Parece-me ser uma pessoa responsável com uma filosofia de vida positiva. Que tenha uma longa e feliz vida junto dos seus conterrâneos.

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  4. Li este texto bem mais cedo (ainda era manhã no Brasil). Deixei um comentário, mas percebi,depois,que não foi registrado. Como estava no trabalho, não insisti em fazê-lo, para não interromper o que eu estava realizando. Mas agora, ao reler o texto, e já em casa, vou tentar escrever algumas frases a respeito. Se não ficar registrado... é porque fui "banida" do blog, tal como o Suárez, da Copa. rsss
    A matéria sobre o Peri foi veiculada pelo Fantástico (Programa dominical da Rede Globo de Televisão), ano passado. Confesso que chorei feito bezerra desmamada, porque é triste quando a gente se dá conta, que essa situação acontece em cada canto do mundo, e triste, ainda mais, quando é um como eu: brasileiro/a.
    Na minha época de jornalismo, era um dos assuntos que eu mais me apaixonava:conversar, extrair dessas pessoas que vivem nas ruas, ao relento... as suas histórias de vida. E que histórias!!!
    Muitos eram de um conhecimento extremado, que eu mesma não conseguia acompanhar o raciocínio. Voltava outro dia para conversar, depois de pesquisar sobre o que falávamos, e só assim entender o contexto.
    Eu ainda faço isso: os artesãos hyppies são as minhas fontes preferidas.
    Peri, antes de retornar ao Brasil, ficou hospedado em um hotel de luxo, em Lisboa.Primeiro, da vida simples ao luxo, como jogador. Depois, ao lixo, como mendigo. Agora, de novo ao"luxo", mas espero que esse seja bem mais duradouro, porque não há nada mais forte do que o amparo e o carinho da família. Isso, sim, é um luxo!
    Parabéns por lembrar desse episódio, Quito, bem oportuno nesses dias de Copa.
    Abraço!

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    1. Mamãe, às vezes acontece isso no Blogger: publicamos um comentário e não fica registado. O que eu faço sempre (vou fazer agora) é, antes de clicar em "Publicar", copiar o comentário. Assim, se não ficar publicado, colo o texto e volto a publicar.

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    2. Çim, prôfêçôra!
      Orbigadra! Fis içu,argorinhá mêrmu.
      Válêu!

      ------------gracias-----------> Mujer!

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    3. Sãozita, sempre que faço um comentário mais longo, à cautela, sigo o teu sistema.
      És uma cachopa que só dás bons conselhos, pois claro!

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  5. Minha vénia, Quito!

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  6. Perivaldo Lúcio Dantas, até agora era para mim um ilustre desconhecido.
    No seu estilo envolvente, Quito conta-nos a sua história, com um sublinhado profundo do humanismo que tanto o caracteriza.
    Infelizmente o caso de Perivaldo não será o único. No mundo do futebol é frequente a queda da opulência para a miséria. Temos muitos exemplos também por cá. Motivos muito diferentes que levam ao mesmo triste final.

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  7. Lembras-te do jogador do brinco do Benfica? Não me lembro agora do nome!!!
    Mas cá por Portugal outros houve que tiveram grandes problemas depois de deixarem de jogar e foram vedetas. Penso que o José Torres, Matateu...

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    1. Victor Baptista, suponho.Grande jogador, destruído pela droga.
      Mas op caso que mais me impressionou foi o de Jaburu que jogava no FCP, numa grande equipa que até quebrou o jejum de 19 anos sem ganhar um campeonato. Lembro-me de Barrigana, Vergilio, Miguel Arcanjo, Carvalho, Pedroto, Eleutério, Carlos Duarte, Hernani, Jaburu e Perdigão-.O Treinador era uma besta de um brasileiro chamado Yustrich (não sei se está bem escrito). Digo "besta" porque o tipo tinha 2 metros de altura e "arreava" forte e feio no Jaburu e no Perdigão. Uma vez o Pedroto e o Hernani "fizeram-lhe a folha" e mandaram-lhe com uma balança para cima do corpanzil. Eu assisti, andava por lá, fazia parte da casa...
      Voltando ao Jaburu, era alcoólico e com 24 anos teve de deixar de jogar. Conheci-o bem porque o seu principal refúgio era um Clube que eu frequentava, o Monte Aventino, que para além de futebol, teatro, bailes e bilhares, tinha um bar muito bem apetrechado e era aqui que podíamos encontrar o Jaburu, perdido de bêbado.
      Enfim, histórias da minha adolescência que me sabe bem recordar. Desculpem o "pincel"...

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    2. Quando digo que me lembro desses jogadores, quero dizer que me lembro de toda a equipa da época. Nada tem a ver com álcool ou drogas. Hoje se quiser dizer o nome de mais do que dois ou três jogadores do FCP, vejo-me aflito. É por isso que me considero um murcom jubilado...

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    3. Tu bem que podias registar essas memórias desses tempos, Vianita...

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  8. Obrigada Quito. Também vi esta reportagem e me tocou profundamente. Frequentemente, principalmente quando vou a Lisboa, pergunto, pensando alto, porque o Governo não arranja verbas e orçamentos para poder mandar de volta os emigrantes que, por desgraça do destino e muitas vezes por vigarices de pessoas sem escrúpulos que não lhes pagaram o que prometeram, ficaram sem dinheiro para voltar para as suas casas? Peri teve uma alma bondosa que juntando outras de boa vontade o levaram de volta mas nem toda a gente tem essa sorte. Que a sorte o continue a bafejar e que as pessoas que passam nas ruas nunca façam de contas que não veem os que por vezes nem força têm para olhar porque não sabem o que é comer alguma coisa à muitos dias.

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  9. Aquele à eu sei que é há....

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