quarta-feira, 2 de novembro de 2016

PALABRAS ...




 Patxi - A força das palabras ditas ...

No universo do léxico português, há algumas palavras proscritas. Uma delas é a palavra “adeus”. Pelo que ela encerra de dor, de afastamento, de lágrimas.

Fomos e somos um povo de lágrimas. Fomos e somos um povo de partidas. Fomos e somos um povo de despedidas.

Abraço não é uma palavra proscrita. Pelo que encerra de amor, de amizade e de fraternidade. Mas também ela pode ter o sabor amargo da despedida. 

Seja no abraço do emigrante, que parte para mais um ano de labuta e que deixa para trás a aldeia singela, a casa que construiu com esforço e a família idosa que fica no torrão – natal, a digerir nos olhos húmidos a ausência, seja no passado remoto, quando a Gare Marítima de Alcântara se transformou no Cabo das Tormentas dos que demandavam a guerra. E dos que, no cais, de lenços brancos a acenar e o ronco sombrio do paquete, viam partir os seus.

Abraço, num contexto de despedida, é a antecipação da saudade de quem ainda está presente. Um abraço feito de ausência, é um mundo de emoções.

De emoções e de destinos desencontrados, se faz também o Aeroporto de Lisboa. De novo as partidas de quem tem projectos de regresso. De novo pais a despedirem-se de filhos e até dos netos.

Neto é uma palavra mágica. Como mágica é a palavra regresso ao seio dos avós saudosos da criança. O reboliço da chegada, da casa desarrumada com brinquedos espalhados pelos compartimentos, que são agora o seu reino sem barreiras.

Deitados no leito, ficamos em êxtase, olhando as suas feições correctas, o ritmo da chupeta que vai chuchando com a doçura dos inocentes. As mãos pequeninas e laboriosas, quando se trata de abrir gavetas, espalhar talheres pelo chão da cozinha e outras traquinices que nos faz sorrir. 

De sentir no seu peito a respiração a arfar em compasso lento, quando na cama o aconchegamos para junto de nós, depois do biberon reparador engolido até à última gota e nos sentimos no zénite da paixão.

Mas há o reverso da medalha. Outra vez a partida para a grande metrópole. Outra vez a palavra proscrita – adeus.

Ali, no meio da rua, os avós ficam especados a ver o carro desaparecer ao fundo, na curva do desencanto. Olham-se nos olhos a querer mostrar cumplicidade mascarada de indiferença, como se nada se passasse, quando o rosto fechado adivinha que se passa tudo. Um novelo de emoções difíceis de disfarçar.

O silêncio é agora o imperador da casa vazia. Ela - a avó – procura uma qualquer ocupação, tentando esgrimir floretes contra o afastamento do seu pequeno tesouro. Ele - o avô - de joelhos na carpete da sala, vai guardando numa caixa os brinquedos coloridos e agora inertes, à espera que o menino regresse e lhes dê, nas suas mãozinhas tenras, a vida que eles reclamam.

Então, o avô, numa convulsão de pensamentos, recorda uma das suas canções preferidas: “ Palabras “, de Patxi Andion. E dum pequeno extracto do texto da melodia que o cantor e actor, com a sua voz grave e pausada, declama com grande carga emocional, num hino de amor, esse sentimento transversal aos corações brandos.

E num deserto de ausência do pequeno ser que é a nossa continuidade e que partiu para a grande cidade, só nos resta num murmúrio dorido, relembrar as “palabras” sentidas e austeras do madrileno, nessa epopeia de gostar, quando o Tempo já nos foge e o Destino nos aparta dos que amamos e nos faz também declamar na língua de “nuestros hermanos”, a frase de Patxi que nos submerge a Alma :       

- … que helada que está esta casa ! …

Quito Pereira


17 comentários:

  1. E completo esse texto impecável - pela descrição simples, mas profunda, da despedida dos ciclos familiares - dizendo que nele me vejo,e, de novo revendo as cenas de minhas crianças, que sempre pensei nunca crescerem, nunca partirem. E se foram, como nós, algum dia... também dissemos adeus, ou demos aquele abraço de despedida.
    Parece que a vida vem nos cobrar. A Lei Natural das Coisas!
    Ontem, fui visitar minha neta, com 14 dias. Fiquei minutos eternos fixando-a, ali em meus braços, e revi as cenas de anos atrás.
    Algum dia ela irá...alçará voos em busca de realizar seus sonhos e metas. E iremos suportando.

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    1. Obrigado, amiga "Chama a Mamã". Desejo o melhor para o novo ser que chegou e para todos vós. Também gostei que tivesse reaparecido neste espaço. Vá aparecendo e dando notícias neste abraço Luso - Brasileiro. Sempre bem - vinda . Já agora como se chama a neta, o novo elemento da família ?

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    2. Lindo nome ! O Natal chegou mais cedo com a melhor das prendas. Parabéns e um abraço ...

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    3. Olha o que o texto do Quito nos veio revelar!Parabéns avó Chama a Mamâe.
      Que visita maravilhosa!
      As maiores felicidades para bébé! Para os pais e vóvo´!!!

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    4. Tenho uma neta chamada Luisa. Para a sua Ana Luiza toda a felicidade di mundo

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  2. É verdade, Quito. Na minha vida tenho várias partidas, pois nas voltas também há partidas. Só na primeira me despedi da família pois senti que não só era penoso para mim mas muito mais para os meus cuja idade já tinha deixado a juventude. Fui sempre ver a família mesmo antes de partir daí mas nunca mais me despedi, era como se fôsse fazer outra coisa qualquer. Só o meu Pai é que no momento de os deixar arranjava sempre uma forma de ficar perto de mim e me desejar uma boa viagem à sua maneira "quando chegares, escreve".
    Quanto ao abraço físico, tudo o vento levou. Se me abraçasses hoje ficava todo partidiiiiiiinho.
    Toma lá um abraço.

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  3. Um texto escrito com o pulsar do coração de avõ que de tempos a tempos está com o seu neto e depois o vê partir, porque a vida assim o determina, quando os filhos na procura de um novo rumo das sua vidas e se estabelecem em cidades diferentes.
    Claro que o abraço e o beijo do adeus , nem sempre tem a mesma dimensão, tal como bem descreves no texto! Há as que são bem dolorosas porque podem ser definitivas!
    Felizmente não é o caso...Né? Abraço.

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    1. Sim, nem eu queria que o texto tivesse uma conotação tão negativa. O texto teve o "mérito" de ter aparecido a Mamã com uma boa nova para dar, a vinda da Ana Luiza ...

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    2. Quito, espero que ao te referires a uma conotação negativa, não seja o meu comentário. Foi um recordar de situações que até gostei pois já nem pensava nelas e que em nada me afectam. Sou muito realista: era a vida que tinha que viver e por isso vivi-a. Dentro deste ponto de vista, senti-me absolutamente à-vontada quando me referi às minhas partidas que foram muitas pois algumas até foram tipo boomerangue, principalemente quando ía aí. Não penses que recordei com tristeza pois foi uma alegria que me deste lembrar-me de tudo novamente. Se fôsse hoje o meu Pai, diria para eu mandar um email. Até é sinal que o halzaimer ainda está ao lado. :)
      Quanto à tua escrita já sabes que sou um fã dela e este texto estava excelente. Por acaso até eu e a Lucinda estivemos a falar muito positivamente dele. Sou um saudosista mas encaro tudo com muito positivismo.
      Bem, aqui fica mais um abraço.

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    3. Quando me referia à tua escrita, também me referia às tuas reflexões, Quito.
      Agora me lembrei de uma muito positiva. Quanto às minhas partidas, quase sempre ia no dia anterior para Lisboa. Lá ia para o Parque Mayer à noite ver uma revista que até fazia uma pessoa descontraír-se. Valia a pena.
      Um abraço

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    4. Xico, eu apenas respondi ao comentário do Rafael, quando fez menção ao adeus definitivo. Essa carga eu quis extrair do texto, sem ter pensado no teu comentário. O desaparecimento é transversal a todos nós, sem hierarquias de idades. Ninguém é dono da vida, nem se é imortal na juventude. Obrigado pelas tuas apreciações e os comentários que nem sempre têm de ser de acordo, são o sal que vai animando o blogue para que não fique algo de amorfo e sem vida. Portanto, não tires conclusões de algo que nem me passou pela cabeça. Registei a tua opinião e apenas isso. Falei na generalidade.
      Abraço

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  4. Este texto é uma autêntica poesia.
    Não sou apreciador de poesia, mas desta gosto.
    Patxi Andión, foi dos primeiros LP,s que comprei. Ainda os tenho. É um rapazinho da minha idade e não esqueço que a PIDE o expulsou do país, quando ele cá veio em digressão musical. A PIDE não gostou dos poemas dele...

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  5. Escreves com o coração, Quito!
    Que mais acrescentar às opiniões já aqui referenciadas?
    Um vai e vem constante de vidas que ora se distanciam, ora se aproximam, hoje tal como ontem e como será amanhã...

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  6. E "helado" ficou também o meu coração com a emoção que senti ao ler o teu texto....como sempre maravilhoso, emocionante, sentido. O grito de um avô saudoso e ternurento. Tenho os meus netos (3 deles, pelo menos) todos os dias comigo. Ralho, grito, barafusto mas se não os vejo, se eles não estão...já não estou bem. Um abraço , Quito, muito apertadinho e...não sei que mais digo

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