sábado, 18 de fevereiro de 2017

COISAS SOBRE COIMBRA LIVRO DE ANTÓNIO CURADO


INCONVENIENTES DAS HOMOLOGIAS

      Desde sempre, que jogar na ACADÉMICA DE COIMBRA, é ter a oportunidade de praticar o futebol, num clube de eleição, e, em simultâneo, ter a possibilidade, garantida, de prosseguir os estudos até licenciatura escolhida.
      E, quantos e quantos jovens, através dos tempos, beneficiaram já     dessa
valorizante e pedagógica regalia, muitos deles ainda hoje vivos e gozando das consequências dessa opção.
      Pese, embora, as mais recentes direcções da ACADÉMICA tenham a louvável iniciativa de constituir as suas equipas com o maior número de estudantes  - jogadores possível, a actual orgânica carregadamente materializada de hoje e seus enredos de permeio, nem sempre lícitos, jamais  permitirão que a BRIOSA, nesse aspecto, seja como antigamente.
      Em tempos passados, antes dos cifrões terem tomado as guias do futebol e a política e o protagonismo pessoal nele se terem imiscuído, era ponto de honra a BRIOSA só aceitar, nas suas equipas, jogadores que, na realidade e comprovadamente, fossem estudantes. Tal decisão era de efeitos irredutíveis!
      Para conseguir a colaboração de moços nessas condições, os dirigentes académicos tinham duas opções. Ou procuravam convidar jovens com tal indispensável atributo ou aproveitavam as informações provindas de simpatizantes da ACADÉMICA, residentes nos vários pontos do país, sobre a existência, aqui e ali, mas que, também fossem estudantes ou com a séria pretensão de prosseguir estudos.
      E foi no aproveitamento duma dessas opções, que se deu o verídico episódio, que testemunhei e que passo a narrar.
      Estávamos ainda no “defeso” da época de 1938/39. O treinador, apenas por abnegação e total amadorismo, era o Dr. Albano Paulo, uma antiga glória do futebol académico (já falecido há muitos anos), que, nesta mesma temporada, levaria a BRIOSA à conquista da 1ª TAÇA DE PORTUGAL, vencendo o Benfica, em LISBOA, por 4-3, após uma memorável exibição, feito que, para além do mais, levaria centenas de estudantes que à capital viajaram (de todas as formas e feitios), a banhar-se de alegria (e não só!), nos lagos com repuxo existentes no Rossio, perante o pasmo e simpatia geral dos alfacinhas.
      Pois, em certo dia desse “defeso” de 38/39, o Dr. Albano Paulo recebeu uma carta dum idóneo e bem conhecido simpatizante da ACADÉMICA, informando que, em certa localidade, perto de Viseu, existia um jovem jogador chamado ANTÓNIO TEIXEIRA, cheio de habilidade e que frequentava o ensino liceal, portanto, com a condição “sine qua non” para poder ingressar na turma dos capas negras.
      Os dirigentes da BRIOSA, logo de pronto, escreveram ao indigitado e habilidoso moço, chamado ANTÓNIO TEIXEIRA, sem dele terem, porém, o endereço mais correcto e completo, convidando-o para se deslocar a Coimbra, a fim de realizar um treino para apreciação definitiva das suas faculdades futebolísticas.
      E o certo que, o jovem ANTÓNIO TEIXEIRA, mesmo com a convocação com endereço incompleto (sinal de que recebera a carta), compareceu na terça-feira marcada, no Campo de Santa Cruz, para se sujeitar ao “juízo” final do treinador Dr. Albano Paulo, perante uma multidão de “teóricos. Que, ao tempo, assistia sempre aos treinos semanais.
      Foi uma maravilha, O moço ANTÓNIO TEIXEIRA deslumbrou toda a gente, e logo mereceu a definitiva aprovação geral, ficando assente, de imediato, o seu ingresso na ACADÉMICA.
      Já sede da BRIOSA, então sita na extinta Rua Larga, na Alta, houve que tratar de todos os pormenores para a transferência de clube, da futura residência do novel recruta e, como não podia deixar de ser, da inscrição do jovem estudante, no respectivo estabelecimento de ensino, o que, antes nem ao de leve havia sido, sequer aflorado.
     E, foi, então, quanto a esta última parte, que o Dr, Albano Paulo perguntou ao habilidoso, mas titubeante rapaz e de poucas falas:
       - E agora sobre os estudos. Você está pronto para seguir no liceu ou já para entrar na Universidade?
      Surpreso com a inesperada pergunta e gaguejando um tanto, o jovem futebolista indagou inocentemente;
      - Qual é mais perto da casa onde vou morar?
      Esta inesperada interrogação do moço caiu como uma bomba. Todos os presentes ficaram atónitos. De boca aberta.
      Mas, afinal, o que se dera para originar tamanha confusão. Apenas o facto de, na região de Viseu, e jogando em clubes diferentes, existirem dois jovens distintos, embora com o mesmo nome de ANTÓNIO TEIXEIRA, ambos extremamente habilidosos para o futebol. Todavia, um era, na realidade, estudante, o outro era aprendiz de sapateiro.
       Os dirigentes da ACADÉMICA, sem o endereço certo e completo do verdadeiro ANRÓNIO TEIXEIRA indicado pelo simpatizante da BRIOSA, enganaram-se, involuntariamente, e tinham por isso convocado o seu homólogo, também residente na região visiense, o qual, prontamente, mas sem dúvida com alguma surpresa, se apresentou no Campo de Santa Cruz, onde, de facto brilhou a grande altura, mas que desfeito o engano regressou à terra, com a honra, pelo menos, de ter envergado a camisola dos capa-negras durante as horas do treino e rodeado de todas as atenções, mesmo depois do “barrete” enfiado pelos dirigentes académicos.   

      Enfim, este gracioso e inusitado acontecimento, foi mais um exemplo dos inconvenientes das homologias!
     



7 comentários:

  1. Delicioso episódio. Quando a Académica era estudantil. Quando a Académica era, no campo desportivo, o prolongamento de uma cidade universitária ímpar. Essa Académica, guiava-se por valores e por gente dedicada, que não abdicava de manter a Académica na seu trilho desportivo e estudantil.

    Naqueles anos e muitos mais que se seguiram, a Instituição fabricou lendas da camisola negra. Alberto Gomes, Capela, Ramin, Curado, Bentes, Rocha e os lembrados irmãos Campos e Maló, entre outros.

    A glória desses tempos, são também páginas brilhantes da história desta cidade. Coimbra não era apenas a Académica mas também era Académica.

    A nível desportivo, Coimbra era bastião de algo diferente. Uma pedrada no charco do desporto profissional. Fosse em futebol ou no basquetebol.Quem esquece Mário Mexia, Saraiva ou Gui? Sim, apenas os mais novos não o saberão.

    Desconstruí-se a Académica na fogueira de tempos revoltosos e necessários. Mas, como é histórico, tempos conturbados transversais aos séculos, foram sempre tempos de excessos, quando a emoção por vezes suplanta a razoabilidade. E a Académica, na sua matriz estudantil, foi na enxurrada.

    Depois mudou de sexo, deixando os seus milhares de seguidores em Coimbra e na diaspora, orfãos da sua identidade desportiva.

    - O meu clube é o Académico- diziam alguns de olhos no chão.

    - Qual Académico, diziam os regimentos de outros emblemas. Académico do Porto - perguntavam?

    - Não de Coimbra ...

    - Ah, és da Académica de Coimbra!

    Sim, de Coimbra. Até os outros, que não vestiam a "negra" mas que com ela simpatizavam, recusavam a Briosa disfarçada de masculino.

    Almeida Santos, teve condão de, entre outros, lutar para que a Académica regressasse à sua identidade primitiva. Porém, ferida de morte. O culto do cifrão e das negociatas pardas, o pântano do desporto profissional, retirou à Briosa o paladar de uma equipa com uma filosofia própria, que não se esgotava em dar pontapés numa bola.

    Em 2O12, fomos ao Jamor. Éramos muitos. Milhares. Fomos de camioneta. Levámos violas e cavaquinhos e comemos frango assado debaixo das árvores acolhedoras. E, relembrando 39, vencemos.

    Vencemos vencidos pela emoção. Alguns choraram. Pelo menos, os mais velhos. Os que tiveram a sorte de ainda ter conhecido a irreverência Coimbrã. E ainda hoje me interrogo, se o pranto daquele momento de exaltante amor a uma cidade que ali estava representada, não era apenas e só a saudade daquilo que foi um pouco de nós. A saudade de uma Briosa genuína e amortalhada na sua essência ...

    A Académica de hoje, não é Académica de ontem. Saudemos os que a querem perpetuar no meio da tempestade. A Académica de Coimbra de um passado brilhante e inigualável, merecia uma estátua de bronze num qualquer jardim da cidade. Mas apenas os menos novos, ou aqueles que já partiram mas estão presentes, perceberão este SENTIR.

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    1. Não era frango...isso era o que alguns guarda redes costumam dar...era leitão!!!A resposta a este comentário dou mais tarde...com as honras que merece!

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    2. E este comentário do Quito é mais do que merecedor de ser promovido a publicação.

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    3. As tuas palavras são suficientemente gráficas.

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  2. Sim, leitão. Mas eu também comi frango. Frango verde e pasteis de bacalhau, pois confraternizei com leões no fim do jogo, longe de algumas escaramuças no topo norte. Ali, no topo sul, no frondoso arvoredo, um grupo de académicos e sportinguistas souberam perceber que adversário não é inimigo e isso ainda mais valorizou a nossa vitória, sabendo respeitar quem perdeu . Foi bonito. Vencer sem soberba. Perder sem azedume. Quando o desporto pode ser escola de vida.

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  3. E quando se fala ou se escrevem coisas sobre Coimbra o Quito deixa vir ao cimo a sensibilidade, a emoção, todos os seus afectos e ei-lo que escreve e diz, num grito de alma,tudo o que os conimbricenses gostariam de dizer e não sabe (eu não sei). Abraço, Quito

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