A ABORTADA CONSTRUÇÃO DO AERÓDROMO DE COIMBRA NO PLANALTO DA QUINTA DA CHEIRA
A I Grande Guerra mostrara as enormes potencialidades da aviação, não só da
militar, mas também da chamada aviação civil, ao nível das ligações a grande
distância, deixando adivinhar que o avião seria o transporte no futuro revolucionaria
por completo a vida do homem.
A
ideia da construção dum aeródromo já vinha de trás, mas um acréscimo de
entusiasmo foi trazido pelo episódio da aterragem que fez em Coimbra, pela 1ª vez, o biplano Vila Nova, pertencente à esquadrilha República da nossa
aviação militar, pilotado por Sarmento de Beires e mecânico João Costa, num voo
de preparação da famosa viagem Lisboa-Macau que os mesmos aviadores realizaram
em 1942. Na falta de aeródromo, a intenção dos aviadores era aterrar na Quinta da Várzea, a montante da ponte, mas devido
às irregularidades do terreno, que se apresentava na altura cultivado de milho,
tiveram os aviadores que optar pelo leito do rio, o que custou algumas pequenas
avarias no biplano que o obrigaram a permanecer ali vários dias a fim de ser
reparado.
O acontecimento, por insólito na cidade,
atraiu milhares de pessoas à Ínsua dos Bentos
e ao areal do rio, tendo os conhecidos fotógrafos Tinoco e Rasteiro feito
algumas fotografias que estiveram vários dias expostas nas vitrinas da
Tabacaria Crespo. Estávamos em vésperas dos grandes voos transcontinentais,
alguns deles levados a cabo por portugueses, como o de Gago Coutinho e Sacadura
Cabral, que fizeram a travessia aérea do Atlântico pela primeira vez, e os de
Sarmento de Beires que, além da ligação Lisboa-Macau, fez a travessia do
Atlântico Sul, e de Humberto Cruz, oficial-aviador
natural de Coimbra, que em 1930 efectuou com Carlos Bleck a viagem
Lisboa-Guiné-Angola-Lisboa e veio a participar, já na década de 30, noutra
importante viagem a Timor-Macau-India Portuguesa e regresso.
Algumas cidades de muito menor importância
que Coimbra, já então tinham ou estavam em vias de ter, os seus aeródromos, e Coimbra, como quase sempre foi acontecendo ao longo dos
tempos, estava a deixar-se ficar para trás. Felizmente, há “sempre alguém que resiste”, e vem para a frente
dar a cara à luta. E nisto, temos de reconhecer que a imprensa, os jornais de
Coimbra, estiveram na primeira linha do combate. Foi esse o momento em que se
começou a pensar mais sèriamente no
assunto, gerando-se um movimento que em pouco tempo aglutinou muita gente
entusiasmada na procura de um terreno para o aeródromo, tendo à cabeça a Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra. Convinha
que não fosse muito distante da cidade e, claro está, que fosse plano, de modo
a se evitarem grandes e dispendiosas movimentações de terras, mas, ao mesmo
tempo, suficientemente amplo (600 por 600 metros), com fraca arborização ao
redor e não ser demasiado ventoso.
Um terreno situado no Picoto dos Barbados “ na borda da estrada do
Dianteiro” foi rejeitado por um oficial aviador que ali foi proceder a um exame
no local. Este obedecia a todos os requisitos, apenas com um senão: não tinha
as dimensões julgadas necessárias; um segundo, situado na margem esquerda,
junto à Quinta da Torre, cujo proprietário,
o lente de Medicina e grande escritor Silva Gaio, o
ofereceria, caso viesse a ser aprovado, pelas mesmas razões, ou semelhantes às
do Picoto, também esta segunda alternativa viria a ser abandonada. Restava,
pois, última, o enorme planalto
constituído pela Quinta
da Cheira, o olival onde se veio a construir o Bairro Marechal Carmona, hoje Norton
de Matos, e o Cascalhal ou CAVALO SELVAGEM, muito nosso conhecido de por ali termos passado parte da
nossa juventude.
Em 1930,
um oficial aviador tentou aterrar no Cascalhal sem o conseguir, porque duas ou
três oliveiras o impediram. No ano seguinte, outro avião militar sobrevoou o
local para estudar as condições oferecidas pelo espaço. As opiniões
convergiram: entradas magníficas, abrigadas dos ventos.
Em 1933,
o capitão Esteves que fez a primeira viagem aérea a Luanda, em 6 de Setembro de
1928, esteve no local a estudar o terreno que, antes dele, já fora
escolhido pelo aviador Carlos da Cunha e
Almeida.
O facto de os proprietários dos terrenos,
os advogados Fernando Lopes, António Bourbon
e alguns outros pedirem 15$oo por metro quadrado, preço exorbitante para a
época, juntamente com a incúria da Câmara que foi fechando os olhos às
construções sem licenciamento na Quinta da Cheira, porventura consequência de uma
mudança de atitude em relação ao local por ela aprovado para localização do
aeródromo, conduziram ao abortamento desta terceira opção, tanto mais que em
Janeiro e Fevereiro de 1935 apareceu exposto
numa das montras dos Armazéns do Chiado um
projecto de urbanização do Calhabé, assinalando a construção dum núcleo
populacional, que se chamaria Bairro dos Aviadores nos
terrenos antes escolhidos para aeródromo. Enfim, impediu-se que ali aterrassem
aviões e quis dar-se a quem ao longo dos anos pugnou pela ideia um desenxabido
rebuçado. Aviadores sem aviões?
Só por humor! E do mais
negro…
A problemática da escolha de terreno vai
manter-se em banho.maria por alguns anos ainda, mas o aeródromo não foi
esquecido. Um jornalista, de seu nome Humberto Cruz,
o mesmo nome do glorioso aviador conimbricense, que também foi aviador e como o
seu homónimo um entusiasta da aviação, moveu, a partir de 1933, uma luta se tréguas no seu modesto jornal
bairrista A Voz
do Callhabé em favor da causa, até que a Junta Distrital de Coimbra,
presidida por Bissaya Barreto, deitou mãos à obra,
tendo-se então optado por CERNACHE. Foram
compradas algumas dezenas de propriedades, antes de, em 10 de Março de 1940, o major Humberto Pais, aos comandos do TIGER nº 146
da Força Aérea ali ter aterrado, numa pista de 900 metros. A inauguração do
aeródromo teve assim lugar em 15 de Julho do Mesmo ano.
Interessante, mesmo muito interessante, esta passagem de Coimbra de outros tempos. Li com curiosidade e prazer. E já agora, pela mão de Fernando Rovira relembrar gente da aviação e não só.
ResponderEliminarBom apontamento Fernando Rafel. Parabéns ...
Excelente texto, me deu a conhecer uma história interessante. Só como curiosidade, o Advogado Fernando Lopes, foi o Padrinho do casamento dos meus pais.
ResponderEliminarAinda na Rua da Guiné moraava junto a mim um sobrinho dele o meu amigo Fernando Lopes
EliminarNao sabia da ligacao do Bairro a aviacao ,gostei de saber e gostei da historia que este texto nos conta .
ResponderEliminarSempre a aprender!
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