sábado, 20 de junho de 2020

IN MEMÓRIAS & INSPIRAÇÕES

"Tinha para aí 5 anos… Vivia numa velha casa na Pragueira. Velha mas linda…hoje, no seu lugar, está o Centro de Saúde. Acordei e desci as velhas (mas lindas) escadas de madeira até à cozinha. Era grande a nossa cozinha. Tinha um lume. Ou seja, uma fogueira de chão com trempe de ferro. A mãe tinha ido vindimar para o Vaz Serra…o pai para o trabalho de motorista, no Botânico. O irmão mais velho e o mais novo ainda dormiam, lá em cima. Tínhamos as sopas de broa quentinhas, entre as brasas. As pequenas panelas foram ali colocadas cirurgicamente, à distância certa do fogo, para não ferverem, nem arrefecerem demasiado, até acordarmos. Satisfeito, saí para a rua. Para a eira. Sim, a nossa casa tinha uma eira. E um celeiro. Mas a sua utilização era comunitária…Algumas pessoas trabalhavam sob o sol da manhã, malhando, espalhando e juntando o milho na eira…Penso que também trabalhavam por conta do Vaz Serra…não sei… 50 anos é muito tempo…Num intervalo, um dos homens sentou-se no murete e começou a executar um ritual diário que me fascinava. Tinha um colete preto, com vários bolsos. Primeiro retirava um relógio de bolso, preso por uma corrente, e abria a sua tampa prateada, para ver as horas. Fechava-o com um click e depois, procurava noutro bolso, uma embalagem de mortalhas de tabaco de côr preta. Não me recordo da marca, mas sei que era preta. Colocava-a na mão esquerda e com a outra mão, retirava, ainda de outro bolso, um pequeno pacote de papel com tabaco. Pousava-o no murete, abria-o, e utilizando o indicador e polegar, pegava numa porção, e distribuía-a uniformemente pela mortalha branca. Dobrava-a agilmente, apenas com uma mão, e levava-a aos lábios para humedecer e colar. Feito o cigarro, guardava-o, junto com os outros, numa pequena lata espalmada, com letras desenhadas por fora e metal dourado muito brilhante por dentro…. Passado algum tempo, deixamos esta casa e mudamos para uma quase nova, na aldeia. Depois perdemos quase tudo…. ."in Memórias & Inspirações

Por JOSÉ PASSEIRO

Sem comentários:

Enviar um comentário