domingo, 28 de junho de 2020

UMA MEMÓRIA ...





Bairro Marechal Carmona ...

O Bairro Marechal Carmona foi um Tempo. Um tempo passado de recordações presentes. Olho a floresta de betão de prédios anónimos, de bombas de gasolina e de catedrais de consumo num corre – corre da vida dita moderna. Ali, aquele espaço agitado de carros, poluição e de buzinas estridentes, também já foi uma catedral. Uma outra catedral de uma liturgia de silêncio e de silêncios. Naquele espaço alargado, morava um pinhal – o Pinhal de Marrocos. Não sei a proveniência do nome, mas sei que tinha a identidade própria de um lugar quase de culto de todos os que habitavam as casas singelas de um bairro com nome de marechal. Nos dias de primavera e de verão, o pinhal ganhava um novo fôlego e uma nova vida. Debaixo das árvores se namorava e se faziam juras de amor. Debaixo das árvores se estudava para exames em tempo de exigência escolar. E debaixo das árvores se sonhava e se faziam versos arrebatados e sonhadores. E também havia a casa modesta da Maria, que tratava dos seus animais no jeito atarefado. Lá longe, um longe que era tão perto, havia uma mina de água. Uma mina mesmo a propósito para as nossas aventuras de infância. Uma caverna que nos fazia sonhar com os contos escritos pelo punho de Enid Blynton. Penetrar na mina era uma aventura. Por vezes, o espaço era amplo e permitia andar em pé. De outras vezes, era necessário rastejar, até ao gozo supremo de se chegar a um local amplo a que batizámos de “sala do trono”. O percurso levava cerca de cinco minutos a fazer. Sempre que demandávamos a mina, fazíamos um pacto de silêncio, para que os nossos pais não soubessem pela sua absoluta reprovação. Chegávamos a casa com os calções sujos de terra e lama e os joelhos esfolados de rastejar pela galeria. E dois açoites no rabo, eram irrelevantes na suprema glória de mais uma aventura no Pinhal de Marrocos. A aplaudida Enid Blynton, teria certamente muito orgulho em nós. Pela sua pena inspirada, certamente que eu e os meus pares teríamos hoje um lugar de destaque na literatura mundial.
Quito Pereira            

10 comentários:

  1. Bairro Marechal Carmona quantas recordações encerra duma infância e adolescência simples mas bem vivida!

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  2. Muitas recordações nos trazes com a tua escrita

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  3. Também recordei episódios dessa infância, mas entrar na mina nunca me atrevi.
    O nome de Marrocos, no caso do pinhal, significava longe. Para lá já é Marrocos!... Uma expressão que se usava quando era longe e sem interesse.

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    1. Bem observado, Alfredo. Nunca tinha pensado nessa hipótese para o nome do pinhal ...

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  4. Caro Quito!
    Ai coisas que se faziam, coisas que do nada se transformavam num encanto, coisas que faziam esquecer o perigo em que muitos de nós nos metemos.E do baú das coisas, que teimosamente continuamos a preservar, o velhinho Pinhal de Marrocos tem um cantinho especial.
    Também foi no Pinhal de Marrocos que eu, o Zé Bento, o Jójó Marques,o Serra e outros fomos descobrir um "tesouro" vivo.
    Estávamos na época do Natal, onde o musgo apelava para se fazer a cama do presépio. Musgo fofo, alto, sedoso, arrancado em postas bem jeitosas.
    De repente, um grito. Tínhamos descoberto um poço por entre os ramos caídos e folhagem meio desgastada pelo tempo.
    Novo grito e nova aventura se perspectivava. Havia qualquer coisa que se mexia no fundo do poço. Seria um cão? Cada um opinava, arranjando o príncípio de uma "historieta".
    Visto de cima,o poço era bem fundo. Decidimos libertar o pobre bicho. Mas como?
    E aqui começou a "epopeia". Era necessário uma corda grande e forte para o resgate.Vieram à memória os filmes do oeste,do Tarzan, do Sadokan, dos "rodeos". Quem era capaz da fazer um laço para prender o bicho pelo pescoço? Mas onde encontrar a corda?
    E decidimos voltar à civilização, ou seja ao nosso bairro, onde nos esperava o almoço. Combinou-se pelo caminho fazer segredo do achado. Arranjei uma corda valente na garagem de meu Pai, que embrulhei num saco de serapilheira. Alguém teve a feliz ideia e arranjar um martelo, para o que desse e viesse.
    Lá fomos fazer a empreitada da tarde. Uma surpresa nos esperava .Como que por artes mágicas, aquilo não era um cão, mas sim uma raposa. E tivemos caúfa, termo para designar o mesmo que medo em terminologia mais erudita.
    Mas pusemos o medo de lado e toca de nos lançarmos, à vez, a experimentar os dotes de cowboys. Largos minutos se passaram num frustrante desatino.
    Por um bamburrio de sorte, o laço passou pelo focinho do bicho e... já estava. A raposa estava feita prisioneira.
    Era altura de a puxar e fazê-la sair do fundo do poço.Fácil não foi como se deve calcular. O bicho esperneava com o gasganete apertado, os cowboys agitavam-se e o medo crescia à medida que se chegava a terra firme. Lembro-me de munir com uns paus para dar umss toutiçadas na dona raposa. E assim aconteceu. A enforcada levou mais umas pauladas e parecia "acabada". Com a mesma corda lhe atámos as quatro patas, como se fazia às rezes no faroeste. Faltava o saco para o transporte, bem apertadinho,bem agarrado a um grosso pau. Era a glória de uma "pesca à raposa".
    Atordoada pela cachaporradas, fez-se a viagem até ao número 21 da rua A.Decidiu-se colocar o troféu na garagem do 21. O pior estava para vir.
    Não é que o raio de bicha acordou da anestesia? E agora? E se ela esfrangalhasse o saco? E depois? Meu Pai chegou a tempo. Chamou o senhor Paulo Martins, agente da PIDE,Pai de Melinha da Rua Gil Eanes, que prontamente acabou com a raposa com algumas cacetadas na mona.
    Lembro-me de meu Pai ter feito uma proposta aos "caçadores" ou "pescadores". Deu 15 escudos a cada um dos artista e ficou com a bicha, que acabou numa pele de uma samarra que ainda usei.
    Esta mais uma memória do Pinhal de Marrocos
    Jorge Luis Costa

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    1. Uma boa memória, Jorge. As histórias do Pinhal de Marrocos dava um livro. A tua memória passa também pelo musgo.No Natal, lá partíamos nós com uma faca e um balde a recolher aquele musgo sedoso como dizes. Tempos maravilhosos ...

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    2. Olá Quito.
      Até eu fui ao musgo ao pinhal de marrocos apanhamos duas cestas e uma grande molha o que nos valeu foi ter passado em casa dos meus Sogros e almoçamos uma bela Chanfana.
      Já lá vão muitos anos dezembro 1978.
      Um abraço.

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    3. Boas memórias, Lucinda. Um abraço ...

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