RAÍZES …
Penamacor, no interior da Beira Baixa, foi um penedo sombrio
na vida de Rui Felício. Várias foram as vezes que falou no assunto e do degredo
que foi essa sua experiência na juventude. Momentos difíceis, mas que a
frescura da idade ultrapassou, para hoje, no folhear das páginas do livro de
memórias, relembrar, se calhar com uma inquietante saudade, mais um momento
pardo da sua vida militar. Mas talvez o jorrar da fonte de água límpida da
Aldeia do Bispo, lhe traga à boca um sabor a mel. Quando um coração no zénite
da pujança, partiu à desfilada, alvoraçado com a saia rodada de alguém que tinha como missão ensinar as crianças a
juntar as letras e as palavras. E a brincar com a fantasia dos números em
complexas combinações para a mente daqueles pequenos seres de palmo e meio.
Todos, sim, todos, passámos por estes momentos. Fosse numa
aldeia distante ou no bulício de uma cidade, houve sempre uns olhos que se
cruzaram com os nossos e, no ímpeto da juventude, nos fez sonhar em dias e
noites de exaltação, quando descobríamos em nós, com entusiasmo, uma escondida
veia poética, por vezes ridícula porque, parafraseando Álvaro de Campos,
heterónimo de Fernando Pessoa … “todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam
ridículas, se não fossem cartas de amor” …
Mas há as raízes. As raízes daqueles que nasceram naquele
rincão da Beira Baixa. É o caso de um advogado meu conhecido. É sempre na praia
que o encontro. De mãos atrás das costas, meditabundo, vai olhando o mar. Farto
de leis, decretos-lei, portarias e despachos, o João vê no mar algarvio, o
remédio para a rotina e o cansaço. Mas é lá, muito mais a norte, que vai ao
encontro das suas raízes. Gosta da sua terra – Penamacor. Gosta das suas gentes
e dos bocados de terra que os antepassados lhe legaram. Gosta da casa que
herdou e que reconstruiu com amor e um dia me mostrou com orgulho.
O Lemos era transmontano. Num momento de aflição, salvou o
alferes num momento que poderia trazer ainda mais graves consequências, do que
aquela espécie de deportação. Mas não me
admirou. As gentes daquela zona de Portugal, são amigas e solidárias. Mas o
inverso também é verdadeiro. No momento de uma ofensa grave, ninguém os queira
como inimigos.
Mas é de raízes que estamos a falar. Recordo aqui e agora,
aquele casal com dois filhos que vive em Miranda do Douro. Terra pequena e
singela, encostada a Espanha, paraíso de feirantes, que atravessam a velha
ponte de pedra sobre o Douro ao fim de semana, para vender as suas roupas,
tecidos e atoalhados. É ali, naquela cidade, que um dia os conheci. Falam o
mirandês com orgulho, carregando nas palavras que lhes brotam dos lábios, com a
força interior de quem, pela deslocalização geográfica, se habituou a viver
sozinho. Confidenciaram-me que é no sul do país, que gostam de gozar as férias.
Por isso correm Portugal de lés a lés, na procura do mar brando e reconfortante
que a sua terra não tem. Mas, na hora do regresso, quando ao longe já se
divisam as duas torres - sineiras da Sé de Miranda do Douro, perpassa neles um
frémito de emoção. É ali que vive, numa redoma de vidro bem vigiada o Menino
Jesus da Cartolinha, imagem muito venerada pelos povos da região. Então, com
alegria, regressam à sua minúscula cidade, para mais um ano de expectativas e
canseiras. Mas jamais, jamais mesmo – como me disseram com determinação - se
sentiriam felizes noutra terra. Raízes …
Kito Pereira
Boa noite que belo texto:
ResponderEliminarViagei de norte a sul do Pais.
Raízes as minhas são tão grandes que atravessão o Atlântico.
Saúde.
É como dizes Lucinda as raízes dizem respeito a todos nós que habitamos o País.
ResponderEliminarDuma maneira geral nascemos numa aldeia, vila ou cidade e as circunstâncias da vida que na maior parte dos casos acontecem, leva-nos a mudar de ares ou seja a viver para outras localidades, normalmente mais por questões de emprego!
Também comigo isso aconteceu, saí da minha terra ainda novo, mas as raízes à terra onde nascemos nunca nos sai do pensamento, sendo mesmo que as memórias desse tempo são aquelas que jamais esquecem!
Penela sempre no coração, embora Coimbra por nela viver desde os 13 anos eu a considere quase ao mesmo nível no conceito de "raíz"
Revejo-me nos casos que o Quito citou no texto partilhando da emoção sentida e da tranquilidade qunado nos ausentamos e depois regressamos ao nosso cantinho!
Imagino a satisfação que sentes quando visitas a tua terra Natal! Para mais com ausências tão prolongadas!
Tem cuidado com o "bicho19"...
Beijinho!