quinta-feira, 19 de agosto de 2021

CHEGOU A CASA SEM CARREGO. texto de Georgina Ferro

 Chegou a casa, sem carrego. Atirara com ele para trás de uma moita, antes que os carabineiros lho arrancassem, à força. 

 Depois, pinchara muros e portados, atravessara lameiros esgueirando-se entre o gado e os pedregulhos.  Já não tinha força para correr, nem quase para se arrastar. Não comia, havia dois dias, mais que dois cachitos já ressequidos, que encontrara no rebusco duma vinha já vindimada. 

 Dera uma “topadela” num calhau que lhe esborrachara o dedo grande do pé direito. As dores eram imensas, mas a pior era a dor de chegar a casa sem dinheiro e sem acarreto. Que diria à sua Maria? Deixara-lhe, a seu cuidado, os cinco filhos pequenos, a Mourisca para levar ao lameiro, ordenhar e tratar-lhe, não só da manjedoura, mas também da cama; e a marrã, os coelhos, as pitas… Cabisbaixo, ia rezando o seu rosário de preocupações…

 ¬ _ ”Hei, Toino!, acorda, home!” “Atão que tens no pé?” 

 _ “ Ai ti Joaquim!, desculpe que não dei por vossemecê! “Cun diatcho, tibe de abentar o acarreto por mor dos carabineiros”! “E abentei tal pintcho numa pedra que fiz uma “farruja” no pé!

 _ “Tens que ir à busca doutro governo, Toino! Olha, o passador ontem tebe lá por casa e disse que havia uma fábrica de loiça em França a angariar trabalhadores. Eu quase que estou para aí virado!... mas já estou tão velho!...

 _ Mas olhe que eu, ti Joaquim, por este andar, não tenho outro remédio se não quiser deixar os catraios morrer à míngua.

 A longa conversa  aproximou-os de casa mais depressa do que a solidão. E, à chegada, o Toino ia determinado a “dar o pulo” para França. Embora de corpo esguio era forte e desenvolto! Haveria de conquistar um trono para a sua família.

 No dia seguinte, levou o cachopito mais velho e foram à cata do carreto abandonado… “Pertelinho” estavam os carabineiros de atalaia. Como não levavam nada com eles, deram-lhes as “boas tardes nos dê Deus”, em castelhano e marcharam na direcção do esconderijo. À socapa contornaram o caminho e já se aproximavam da aldeia quando viram a “guarda”! O Toino seguiu em frente  e deu ordem ao filho para se escapar!

  Um dos guardas correu no encalço do garoto, mas a leveza da idade, levou a melhor.

 Foi, nesse dia, que o nosso homem se decidiu. Iria ajoelhar junto da Senhora dos Milagres, para lhe pedir a Sua bênção. Depois partiria para Fontes de Onor, a ter com o  passador,  dali para Andorra, Pirenéus e conquistaria um lugar na fábrica em França!...

 Foi lá que o encontrei. Uma carlinga dum velho autocarro servia-lhe de quarto e aconchego, até que vazasse a casa da “usina” que lhe estava prometida para ele e para a sua Maria e filhos. Pediu-me que escrevesse uma carta que me foi ditando, primeiro atabalhoadamente, depois a um ritmo de saudade e pensamento.

 Os anos passaram… os filhos formaram-se… o Toino envelheceu… Tem mais do que alguma vez ambicionou, mas o cantinho da sua aldeia jamais esqueceu


Georgina Ferro


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