segunda-feira, 29 de setembro de 2014

SÓTÃO QUITO PEREIRA-Documento histórico

Uma preciosidade! Do editor KITO!


Um sotão, é um templo de memórias. Memórias vivas, que nos escorrem entre os dedos. São objetos atrás de objetos e em cada um uma história.

Esta semana, subi ao sotão da minha casa paterna. Protelei enquanto pude, ciente que o passado me ia ferir. Foi há vinte anos e parece que foi ontem. Pelas minhas mãos, passaram brinquedos de infância e, entre pó, muitos livros.Os livros que, mesmo que fechados,são sempre amigos que esperam que alguém os abra e lhes dê atenção. Porém, aqueles livros, fossem de Eça, Ferreira de Castro ou Alves Redol , já não esperavam por ninguém. Estavam mortos, porque parcialmente queimados. E ali, com as mãos mascarradas, revivi o dia em que num ápice, perdi a minha mãe. Alguns livros, intactos, guardei. Os outros, numa velha mala, seguiram o seu destino. Uma trovoada repentina, acompanhada de chuva grossa, agravou o meu estado de alma.

No meio de tanta papelada, duas memórias chamaram-me a atenção. Presos por um fio, vários exemplares do jornal militar "Gato Preto". Um jornal de campanha da Guiné, que faziamos na guerra e que nos ajudava a lembrar que estavamos vivos. Uma relíquia de tempos pardos.

Depois, o único exemplar que encontrei do "29 de Setembro". Um pequeno jornal do Bairro, que um grupo de jovens entendeu fundar. No cabeçalho, os nomes: Zé Alves, Fernando Quaresma, António Ferrão, Vitor Soares, Mário Reis e Quito Pereira. Embora não conste, também Rosarinho Alves dava a sua colaboração.

O Jornal chama-se 29 de Setembro, porque foi nessa data que tivemos a ideia. Teriamos todos, mais ano menos anos, pelos treze anos de idade.

O Jornal era vendido de porta em porta. Lembro-me do nosso "funcionário" Rogério Teixeira o fazer e eu próprio também vendi o nosso jornal de porta em porta. Custava cinco tostões.

O jornal colheu a simpatia dos habitantes do Bairro e alguns até colaboravam, o que se prova na leitura atenta deste exemplar.

Para a elaboração do jornal, duas pessoas foram fundamentais: Os Senhores Ferrão e Agostinho Pereira. De facto, uma vezes o jornal era feito nos antigos HUC. Outras vezes, na cave dos Serviços Florestais, na Rua Antero de Quental.

Da leitura deste exemplar, ressaltam várias situações interessantes. Os anúncios, por exemplo. Desde os "pingos" do Carlos latoeiro, passando pelo "colorau e outros temperos" da Mercearia Nunes, ou as "malhas resistentes que não desbotam" da Casa Umbela. Os "valores selados" da Tabacaria Celeste e a Dona Rosa Silva Santos que apanhava malhas em meias. E os "caldinhos" da Barbearia "Simões?!. Uma delícia.

Era assim o Bairro que tinha um jornal de jovens. Um jornal "Defensor dos Interesses do Bairro Marechal Carmona" como dizia no cabeçalho.

Outros tempos.Um outro Bairro. Mais fraterno e mais solidário. Nunca o peso da bolsa de cada um, era fator de discriminação de ninguém. E assim, com pessoas que ocupavam os mais diversos ramos académicos e profissionais, se edificou, por exemplo, o Centro Norton de Matos que tem sido, em várias vertentes, um orgulho do Bairro. Honra a todos os seus fundadores e pioneiros.

Por fim e ainda em relação ao "29 de Setembro" que hoje faz anos, o meu pensamento para dois amigos que já não estão entre nós: O Senhor Ferrão e Zé Alves. Que estejam em paz.

Quito Pereira


18 comentários:

  1. Um sotão, é um templo de memórias. Memórias vivas, que nos escorrem entre os dedos. São objetos atrás de objetos e em cada um uma história.

    Esta semana, subi ao sotão da minha casa paterna. Protelei enquanto pude, ciente que o passado me ia ferir. Foi há vinte anos e parece que foi ontem. Pelas minhas mãos, passaram brinquedos de infância e, entre pó, muitos livros.Os livros que, mesmo que fechados,são sempre amigos que esperam que alguém os abra e lhes dê atenção. Porém, aqueles livros, fossem de Eça, Ferreira de Castro ou Alves Redol , já não esperavam por ninguém. Estavam mortos, porque parcialmente queimados. E ali, com as mãos mascarradas, revivi o dia em que num ápice, perdi a minha mãe. Alguns livros, intactos, guardei. Os outros, numa velha mala, seguiram o seu destino. Uma trovoada repentina, acompanhada de chuva grossa, agravou o meu estado de alma.

    No meio de tanta papelada, duas memórias chamaram-me a atenção. Presos por um fio, vários exemplares do jornal militar "Gato Preto". Um jornal de campanha da Guiné, que faziamos na guerra e que nos ajudava a lembrar que estavamos vivos. Uma relíquia de tempos pardos.

    Depois, o único exemplar que encontrei do "29 de Setembro". Um pequeno jornal do Bairro, que um grupo de jovens entendeu fundar. No cabeçalho, os nomes: Zé Alves, Fernando Quaresma, António Ferrão, Vitor Soares, Mário Reis e Quito Pereira. Embora não conste, também Rosarinho Alves dava a sua colaboração.

    O Jornal chama-se 29 de Setembro, porque foi nessa data que tivemos a ideia. Teriamos todos, mais ano menos anos, pelos treze anos de idade.

    O Jornal era vendido de porta em porta. Lembro-me do nosso "funcionário" Rogério Teixeira o fazer e eu próprio também vendi o nosso jornal de porta em porta. Custava cinco tostões.

    O jornal colheu a simpatia dos habitantes do Bairro e alguns até colaboravam, o que se prova na leitura atenta deste exemplar.

    Para a elaboração do jornal, duas pessoas foram fundamentais: Os Senhores Ferrão e Agostinho Pereira. De facto, uma vezes o jornal era feito nos antigos HUC. Outras vezes, na cave dos Serviços Florestais, na Rua Antero de Quental.

    Da leitura deste exemplar, ressaltam várias situações interessantes. Os anúncios, por exemplo. Desde os "pingos" do Carlos latoeiro, passando pelo "colorau e outros temperos" da Mercearia Nunes, ou as "malhas resistentes que não desbotam" da Casa Umbela. Os "valores selados" da Tabacaria Celeste e a Dona Rosa Silva santos que apanhava malhas em meias. E os "caldinhos" da Barbearia "Simões?!. Uma delícia.

    Era assim o Bairro que tinha um jornal de jovens. Um jornal "Defensor dos Interesses do Bairro Marechal Carmona" como dizia no cabeçalho.

    Outros tempos.Um outro Bairro. Mais fraterno e mais solidário. Nunca o peso da bolsa de cada um, era fator de discriminação de ninguém. E assim, com pessoas que ocupavam os mais diversos ramos académicos e profissionais, se edificou, por exemplo, o Centro Norton de Matos que tem sido, em várias vertentes, um orgulho do Bairro. Honra a todos os seus fundadores e pioneiros.

    Por fim e ainda em relação ao "29 de Setembro" que hoje faz anos, o meu pensamento para dois amigos que já não estão entre nós: O Senhor Ferrão e Zé Alves. Que estejam em paz.

    Quito Pereira

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  2. Este é um documento precioso, Quito.

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  3. É bom lembrar coisas bem feitas.
    Boas lembranças.
    Tonito.

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  4. Até tenho acompanhado um pouco este remexer no sótão do meu amigo Agostinho/Quito.
    Amigo Agostinho anda todo empenhado em tornar a sua antiga residência com um aspecto todo airoso!.
    Gostei de o ver tão entusiasmado.
    No sótão o Quito, embora conforme disse, ainda não tinha vencido bem a vontade de por lá andar para tomar contacto com recordações que muito lhe dizem muito...
    Entre as coisas curiosas que encontrou foi este jornal de garagem, que se apressou em me mostrar!
    Olha aqui Rafa o que encontrei!!!!Rapa do bolso o "29 de Setembro"!
    Maravilha, disse eu! Isso dá uma postagem de "estalo"!!!
    Lá consegui gazer o melhor que fui capaz, utilizando o que a minha habilidade para estas coisa me permitia. Tive que dividir a primeira página em duas...e não ficou nada mal!
    Quem dá o que pode...
    Os autores do 29 de Setembro são todos bem conhecidos, para mim agora mais do que nesse tempo.! Eles tinham 13 a 14 anos e eu já andava pelos 20, 21 e na tropa!!!
    Coincidência ou não, o certo é que a descoberta veio a tempo do dia de hoje, 29 de Setembro!
    Boa Quito!

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  5. Quando se dá uma volta pelo sótão, vem quase sempre um monte de recordações carregadas de saudade que neste caso, só o Quito viveu. Valeu a pena porque no nosso caso vem-nos mostrar um grupo de jovens dinâmicos com o seu poder creativo. De notar, que se bem de outra forma, os assuntos que saíram no "O 29 de Setembro" em sessenta e dois do século passado, são muito idênticos aos dos nossos dias.E para nos distraír, o humor tem a sua piada.

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  6. Olha Chico, nem me fales em dar uma volta ao sótão
    Só de chegar ao cimo das escadas dá logo vontade de dar meia volta!!!
    Por vezes lá leva uma arrumaçãoztia...mas depois só a Celeste sabe onde se pode encontrar o que se quer!!!
    Fui excluido de fazer arrumações no sótão!!!!O contentor era o melhor sitio para arrumar!!!
    Tenho dito...o pior poderá vir a seguir!!!

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  7. Fizeste um bom trabalho, Rafael. Obrigado. O passado viveu-se e não se renega. Por muito indiferente que seja a sociedade que nos rodeia.

    Bem Hajas

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  8. pois é Quito calha-me o mesmo a mim, remexer o sótão, reviver o passado, encontrar coisas que nem fazíamos ideia que lá estavam, um dia os nossos filhos irão encontrar e remexer no que lá formos guardar agora....a vida é assim

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  9. Adorei o que li até ao fim. Eu nunca ouvi falar neste jorna e era companheiro diá rio no café Silva durante horasl!! Passei ao lado dele e em casa dos meus pais nunca lá o vi!!.., mas adorei principalmente dos anúncios.., um espectáculo. Fica as memórias.
    Fernando AZENHA

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  10. MARAVILHA este documento. O sotão do Quito deve ter mais e acompanhados com os textos que escreve vai-nos dando azo a recordar, com muita emoção, os dias lindos da nossa meninice

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  11. Jovens de então que se divertiam de forma bem criativa e dinâmica!
    Não me recordo deste Jornal mas recordo-me de todos os nomes, de muitas das histórias e das casa comerciais , e não só, que patrocinavam e publicitavam estas edições.
    Claro, tocou-me em especial a Tabacaria Celeste...
    Aqui liam os jornais muitos dos jovens que não os podiam comprar.
    Este custava uma coroa!
    Li-o todo, de fio a pavio, a receita do bolo de chocolate, a anedota, as notícias, etc!
    Uma recordação que nos aquece a alma.

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  12. Este jornal é mesma uma preciosidade, amigo Quito ! fiquei deslumbrada com as recordações que me trouxe, apesar de não me lembrar da sua existência. Tudo que nele li me suscitou recordações ... e que bem que me soube !
    Sem dúvida que um sótão é um templo de memórias ! aquilo que me custou desfazer peça a peça o sótão da casa dos meus pais ! a minha sorte é que tenho um filho que gosta de tudo que seja antigo e familiar e que tem muito espaço para guardar. Mas remexer no passado faz mesmo bem à alma, permite-nos reviver os momentos vividos, mesmo que alguns sejam um tanto amargos. Faz parte da vida. Obrigada Quito, por partilhares connosco.

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  13. Anteontem, pensei logo de manha neste Jornal. Aliàs, como o faço em todos os "29 de Setembro"!Como poderia esquecer tal jornal, se o Jorge de Carvalho e o Nando, me deram o honroso cargo de "ardina"? Era responsàvel pela sua distribuiçao na Rua da Guiné e muito especialmente na Praca de Cabo Verde. E desde o inicio desta bela iniciativa,eles puderam contar com o apoio do meu Pai, proprietàrio da CASA UMBELA. Mas o que vocês desconhecem, é que a distribuiçao deste magnifico jornal, deu aso (uns anos mais tarde) a um casamento na Praca de Cabo Verde!E que casamento! Eu explico: foi através desta distribuiçao que pude entrar em casa da D.Fernanda e do Snr.Mendes, os Pais da LILI, que moravam na Praca de Cabo Verde. Dai resultou uma aproximaçao com o NANDO, que viria a casar com a LILI. As familias, apesar de morarem a 50 mts uma da outra, mantinham uma certa distância, devido ao comportamento um pouco boémio do rapaz! E foi precisamente o "29 de SETEMBRO" que conseguiu demolir esses obstàculos. E esta?

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  14. Com os anos, as memórias vão-se diluindo. Li com interesse os comentários e agradeço a amizade. BobbyZé, fantástico !!! Desconhecia tudo o que falas, mas obrigado pelo que nos contas. Não tivemos uma infância rica , mas uma rica infância e juventude ...

    Um abraço a todos

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  15. "Uma postagem de estalo", prognosticou o administrador. Pudera, apostas destas até eu fazia, é como jogar no euromilhões com conhecimento prévio da chave ganhadora.
    Este é um documento precioso, daqueles que marcam épocas e marcam passagens da nossa vida jamais esquecidas. Eu não vivi convosco este 29 de Setembro mas também tive os "meus 29 de Setembro" de que hoje sinto uma falta indescritível.. "O Alexandrino" - publicação doa alunos do Liceu Alexandre Herculano, "Os Tigres" - publicação de uma pequena colectividade do Porto, são das que maior pena me fazem não ter um único exemplar.
    Deste exemplar número 6 do 29 de Setembro realça, como já referido, a curiosidade da publicidade.
    Também é louvável o esforço para titular em letras desenhadas à mão, para salientar o "artigo".
    Um pitoresco relato desportivo diz-nos que o União ganhou ao Marialvas em casa e que "ao que parece, no fim meteu molho". Será que choveu no final do jogo?...
    Agora, francamente, falta por lá um anuncio pedindo um paginador de texto!
    Ao Kito, eras tu o paginador? Desculpa lá, lembra-te que "quem faz o que pode faz o que deve".
    Aquele abraço.

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  16. Quito, gostava que me mandassem estas imagens do jornal, por mail. Pode ser? Abraço.

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  17. Vou resolver o que me pedes, BobbyZé. Aguarda. Abraço.

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  18. Ainda bem que subiste ao sótão....
    Que boa ideia mostrar-nos um obra de arte literária com gente do nosso bairro e com memórias que podemos rever!

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