( Dedicado ao tripeiro e meu Amigo Carlos Viana )
Acabaram de almoçar e ele foi procurar o bilhete para o Porto-Benfica dessa noite.
Não o encontrou. Furioso, como de costume refilou com a mulher que lhe andava sempre a mudar as coisas de sítio. Estava seguro de ter deixado o bilhete em cima da cómoda mas ela, com a mania das arrumações devia tê-lo posto num lugar qualquer. Habituada a cenas daquele género, a mulher disse-lhe calmamente para ver se tinha o bilhete dentro da carteira antes de a estar a acusar.Calou-se, respirou fundo ao ver aquele valioso bocadinho de papel colorido dentro da carteira, e sentou-se no sofá a folhear “O Jogo”. Mais uma vez ela tinha razão...Passada uma hora, a mulher disse-lhe:
- Não vás para o futebol antes de arranjares, como prometeste, a torneira do lava-louça que anda a pingar já há uns dias.
E prosseguiu:
- Agora vou com a nossa filha a casa do irmão. Como sabes, vamos lá jantar, mas quando chegar a casa espero que a torneira já esteja arranjada.
- Ouviste?
- Não sou surdo! – respondeu ele, casmurro, no meio da nuvem de fumo do cigarro, sem levantar os olhos do jornal.Logo que ela saiu, olhou para o relógio. Eram 4 da tarde. Repararia a torneira às seis, às seis e meia estaria o trabalho feito e lá pelas sete menos um quarto iria para o Estádio do Dragão, onde chegaria por volta das oito da noite.
Como o jogo só começava às oito e um quarto, dava tempo.
Às 18 horas foi procurar a chave inglesa na caixa de ferramentas. Mais uma vez praguejou porque a mulher lhe andava sempre a mudar as coisas de sitio. Telefonou-lhe aos berros a perguntar-lhe onde raio tinha ela metido a chave inglesa. Com paciência ela lembrou-lhe que ele próprio a tinha levado há tempos para casa do filho para reparar uma coisa qualquer e que se tinha esquecido de a trazer.
Para não dar o braço a torcer, disse á mulher que não havia problema e desligou o telefone.
Pegou num alicate para desatarrachar a torneira. Um esguicho gelado disparou contra a sua cara encharcando-lhe o cabelo, o cigarro e a camisa. Correu a fechar a torneira de segurança à entrada da casa. Tinha-se esquecido...
Enrolou um vedante em volta da rosca da torneira e voltou a atarrachá-la. Foi ligar a água. A torneira pingava agora mais do que antes.
Voltou a fechar a água, a tirar a torneira, a ajustar o vedante, a recolocar a torneira, a ligar a água. Mas se antes pingava, agora jorrava em fortes esguichadelas.
Repetiu estas operações mais umas cinco vezes e a coisa estava cada vez pior. Já eram sete horas. Tinha que ir já para o Estádio, senão perderia o início do jogo...
Desligou a água. Quando viesse reparava a porcaria da torneira. Saiu a correr, meteu-se no carro e, felizmente, chegou ao Estádio mesmo à hora de começar o desafio com os lampiões.
Com o cigarro na boca e o cachecol azul ao pescoço, vasculhou nervosamente os bolsos em frente ao porteiro. Não encontrava a carteira! Telefonou à mulher, esbaforido, a perguntar-lhe onde diabo tinha ela metido a carteira dele antes de sair.
Do outro lado da linha ela lembrou-lhe, calmamente, que foi ele mesmo que a arrumou em cima da cómoda.Sem carteira e, especialmente, sem bilhete, não pôde entrar no Estádio.Foi à bilheteira para ver se ainda havia bilhetes. O homem, no guichet, estendeu-lhe uma bancada lateral. Lembrou-se então que, sem a carteira não tinha dinheiro para o pagar.
E já não dava tempo de ir a casa e regressar. Resolveu meter-se dentro do carro para ao menos ouvir o relato. Carregou no botão do rádio e...nada!
Apareceu-lhe no tablier uma mensagem que dizia: “Bateria Descarregada”...
Rui Felício
Há mesmo dias azarados, mas os fanáticos do futebol merecem uma destas
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