Neste domingo de verão, corro entre velhos olivais e campos de cultivo ressequidos na míngua da água
reparadora. Ao meu redor, oiço o ruído de um silêncio perturbador. Caí para
fora de mim. Caí para fora do mundo. Caí para fora da Vida. Olho o amontoado de
casas e de telhados que me espreitam naquele povoado plantado no limbo do nada.
O cantar da água que corre numa ribeira é o som apaziguador de um violino numa
sinfonia de angústias. Deixo a aldeia no estertor da sua existência, agora que
as suas gentes partiram. Aquele vazio espacial, aquele caldo de solidão, mais
não é que um pesadelo feito de ausências. Um encadeado de silêncios feitos do
nada e de ninguém. Subo então ao céu.
Arrasto-me por uma estrada estreita com penhascos fundos que me estendem as garras
afiadas num hino à hostilidade.O caminho estreito impede-me de voltar para
trás. Sôfrego, trepo a montanha apavorado, na procura de um cais salvador. Lá
em cima, naquele cocuruto de mundo, olho em redor e só vislumbro montes
austeros e ténues fios brancos que lhes riscam os dorsos
descarnados. São caminhos e são mistérios. Afinal o infinito existe. Sentado
num regato de pedra, inquieto, oiço o sibilar do vento e sinto-me trespassado de medos
naquela terra de ninguém. Parto montanha abaixo, na procura de uma amarra
robusta que me prenda à Vida e ao mundo. Na noite morna, olhando as luzes da
cidade, sou assaltado de dúvidas existenciais. Um turbilhão de pensamentos
leva-me ao desencanto e à constatação de uma realidade crua de um outro país
que é o meu. Desfolho, lentamente, o livro de poesia. Um livro de páginas
brancas, ausente de palavras ditas e escritas que talvez nem façam sentido. Só
o silêncio avassalador poderá ser prefácio de um poema breve, feito do nada e
de nadas.
Q.P.
Caro Fernando, aqui deixo o texto prometido, mais ou menos dentro do horário que me pediste. Desejo-te um bom domingo ....
ResponderEliminarOK. Obrigado.Bom domingo
ResponderEliminarEstes lugares, outrora aldeias com vida,hoje deserteficados, não te saem da memória.
ResponderEliminarUma situação triste que nos contas com a habitual maestria.
Sempre bem vindos os teus textos.
Eu concluo que AFINAL O INFINITO EXISTE!
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarAgora, estão sentados solitários lugares,
ResponderEliminarDantes em constante movimento.
A completa agonia da Linha do Tempo.
Outrora, populosos, tornaram-se como viúvas,
À espera de alguém que já não vem.
As suas árvores choram à noite,
Suas lágrimas lhes correm pelos ramos,
Como a saberem-se também sozinhas,
A engolirem o pranto.
Nem o vazio acha descanso.
Os filhos, se afastam do ninho...
Já não o alcançam.
Os vales pranteiam,
Já não existem crianças brincando,
Namorados envergonhados,
Por estarem se amando.
Portas trancadas, desoladas...
É tudo silêncio... e mais nada!
O que nos contenta, entretanto,
É que, mesmo em meio a esse pranto,
Os lugares conservam a formosura
E nos fazem buscar, nas lembranças,
Que no Infinito não existe Amargura.
Obrigado, "Chama a Mamãe". A magia das palavras - destas palavras - são o incentivo a quem por vezes se sente um pouco náufrago num mar de indiferença. Foram décadas de diálogo com a solidão e o isolamento. Conheci este universo de um Portugal que poucos conhecem. Tentamos descrevê-lo em prosa ou em poesia, mas ficamos sempre aquém da realidade parda. Mais uma vez obrigado. Brilhante a sua contribuição. Aceite um respeitoso beijo como costuma dizer.
ResponderEliminarQuito Pereira