sábado, 1 de junho de 2019

POEMA DO NADA ...







Neste domingo de verão, corro  entre velhos olivais e campos  de cultivo ressequidos na míngua da água reparadora. Ao meu redor, oiço o ruído de um silêncio perturbador. Caí para fora de mim. Caí para fora do mundo. Caí para fora da Vida. Olho o amontoado de casas e de telhados que me espreitam naquele povoado plantado no limbo do nada. O cantar da água que corre numa ribeira é o som apaziguador de um violino numa sinfonia de angústias. Deixo a aldeia no estertor da sua existência, agora que as suas gentes partiram. Aquele vazio espacial, aquele caldo de solidão, mais não é que um pesadelo feito de ausências. Um encadeado de silêncios feitos do nada e de ninguém.   Subo então ao céu. Arrasto-me por uma estrada estreita com penhascos fundos que me estendem as garras afiadas num hino à hostilidade.O caminho estreito impede-me de voltar para trás. Sôfrego, trepo a montanha apavorado, na procura de um cais salvador. Lá em cima, naquele cocuruto de mundo, olho em redor e só vislumbro montes austeros e ténues fios brancos que lhes riscam os dorsos descarnados. São caminhos e são mistérios. Afinal o infinito existe. Sentado num regato de pedra, inquieto, oiço o sibilar  do vento e sinto-me trespassado de medos naquela terra de ninguém. Parto montanha abaixo, na procura de uma amarra robusta que me prenda à Vida e ao mundo. Na noite morna, olhando as luzes da cidade, sou assaltado de dúvidas existenciais. Um turbilhão de pensamentos leva-me ao desencanto e à constatação de uma realidade crua de um outro país que é o meu. Desfolho, lentamente, o livro de poesia. Um livro de páginas brancas, ausente de palavras ditas e escritas que talvez nem façam sentido. Só o silêncio avassalador poderá ser prefácio de um poema breve, feito do nada e de nadas.
Q.P.      

7 comentários:

  1. Caro Fernando, aqui deixo o texto prometido, mais ou menos dentro do horário que me pediste. Desejo-te um bom domingo ....

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  2. Estes lugares, outrora aldeias com vida,hoje deserteficados, não te saem da memória.
    Uma situação triste que nos contas com a habitual maestria.
    Sempre bem vindos os teus textos.

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  3. Eu concluo que AFINAL O INFINITO EXISTE!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Agora, estão sentados solitários lugares,
    Dantes em constante movimento.
    A completa agonia da Linha do Tempo.
    Outrora, populosos, tornaram-se como viúvas,
    À espera de alguém que já não vem.
    As suas árvores choram à noite,
    Suas lágrimas lhes correm pelos ramos,
    Como a saberem-se também sozinhas,
    A engolirem o pranto.
    Nem o vazio acha descanso.
    Os filhos, se afastam do ninho...
    Já não o alcançam.
    Os vales pranteiam,

    Já não existem crianças brincando,
    Namorados envergonhados,
    Por estarem se amando.
    Portas trancadas, desoladas...
    É tudo silêncio... e mais nada!
    O que nos contenta, entretanto,
    É que, mesmo em meio a esse pranto,
    Os lugares conservam a formosura
    E nos fazem buscar, nas lembranças,
    Que no Infinito não existe Amargura.

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  6. Obrigado, "Chama a Mamãe". A magia das palavras - destas palavras - são o incentivo a quem por vezes se sente um pouco náufrago num mar de indiferença. Foram décadas de diálogo com a solidão e o isolamento. Conheci este universo de um Portugal que poucos conhecem. Tentamos descrevê-lo em prosa ou em poesia, mas ficamos sempre aquém da realidade parda. Mais uma vez obrigado. Brilhante a sua contribuição. Aceite um respeitoso beijo como costuma dizer.
    Quito Pereira

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