terça-feira, 5 de novembro de 2019

A RESPOSTA SURPREENDENTE ...






ondas debruadas a branca espuma ...

Avançado mar adentro, aquele hotel é uma pérola ancorada no Atlântico. Pelo menos para mim, que ali vejo o lugar ideal para descansar e divagar em pensamentos dispersos. Abrir a janela pela manhã, ouvir a voz do oceano ali mesmo à frente dos meus olhos, em ondas que se enrolam debruadas a branca espuma que me revigoram o espírito. Passear pelo hotel e cumprimentar os funcionários que já me conhecem. Sempre a palavra amável que gostamos de ouvir. Quando se quebra a relação protocolar entre empregado e cliente e vamos ouvindo histórias de vida. De quem fala de fadiga e da vontade de ir a casa lá para os lados de Fernão Ferro, depois de uma semana de trabalho. Ou de quem se prendeu de amores por uma mulher no continente australiano e dos filhos que a companheira lhe deu. Também os utentes do hotel numa babilónia de línguas. São portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e alemães, estes com a curiosidade de na sua esmagadora maioria terem já uma idade simpática. E se de manhã os pequenos – almoços são um reboliço ordeiro e mesas fartas das mais variadas iguarias e manjares, por contraste, os fins de tarde no bar ali a olhar o mar são sempre de silêncio e tranquilidade. Uma música de fundo e uma luz mortiça convidam a uma bebida e a uma leitura. E, na televisão, alguns vão olhando as incidências de um qualquer evento desportivo e nem o jogo de um clube muito popular de Lisboa e de Portugal de vermelho vestido a medir forças com um grupo do norte, retira a calma de quem de forma civilizada vê um jogo de futebol. Depois há os outros, os que não se interessam pelo pular de uma bola e continuam enfronhados num jornal de referência nacional. E aquele homem já de certa idade, que todos os dias ali aparecia com a sua companheira e falavam em surdina chamou-me a atenção. Aquela cara não me era estranha e cheguei a confundi-lo com um antigo advogado de Coimbra. Naquele princípio de noite, enquanto alguns olhavam um qualquer jogo do campeonato de futebol, aconteceu ficarmos em pequenas mesas juntas, sem que nem a ele nem a mim interessasse a contenda. Inevitável que a proximidade me deu azo a perguntar-lhe, pedindo-lhe que me relevasse o atrevimento, se não tinha sido advogado em Coimbra. Então, tive uma resposta surpreendente. Sabe – disse-me – de facto fui advogado, juiz, psicólogo, médico e tive também outras profissões. E perante a minha perplexidade acrescentou …  fui ator de teatro, pelo que é provável que a sua confusão é de me ter visto em programas de televisão onde trabalhei vários anos. Depois, de novo se afundou na leitura do seu jornal e eu após ter bebido um sumo refrescante, despedi-me dele com um aperto de mão que selou um conhecimento ocasional, mas com a certeza de um gosto em comum – aquele refúgio do nosso contentamento à beira – mar plantado.
QP          

3 comentários:

  1. Gostei do texto e de saber do repouso que disfrutas na bela Ericeira. Antes de acabar a leitura levou-me a ir ao fim do texto para saber o nome da personagem das multi profissões. Não tiveste coragem de lhe perguntar... Ou não queres dizer?

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    1. Resguardaria sempre a privacidade do ator, mas não lhe perguntei o nome. Mas fiz uma pesquisa e encontrei-o a contracenar com Camacho Costa e Vitor Espadinha ...

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  2. Boa resposta e verdadeira! Os momentos de conversa trazem-nos surpresas.

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