ondas debruadas a branca espuma ...
Avançado mar adentro, aquele hotel é uma pérola ancorada no
Atlântico. Pelo menos para mim, que ali vejo o lugar ideal para descansar e
divagar em pensamentos dispersos. Abrir a janela pela manhã, ouvir a voz do
oceano ali mesmo à frente dos meus olhos, em ondas que se enrolam debruadas a branca
espuma que me revigoram o espírito. Passear pelo hotel e cumprimentar os
funcionários que já me conhecem. Sempre a palavra amável que gostamos de ouvir.
Quando se quebra a relação protocolar entre empregado e cliente e vamos ouvindo
histórias de vida. De quem fala de fadiga e da vontade de ir a casa lá para os
lados de Fernão Ferro, depois de uma semana de trabalho. Ou de quem se prendeu
de amores por uma mulher no continente australiano e dos filhos que a companheira
lhe deu. Também os utentes do hotel numa babilónia de línguas. São portugueses,
espanhóis, franceses, ingleses e alemães, estes com a curiosidade de na sua
esmagadora maioria terem já uma idade simpática. E se de manhã os pequenos –
almoços são um reboliço ordeiro e mesas fartas das mais variadas iguarias e
manjares, por contraste, os fins de tarde no bar ali a olhar o mar são sempre
de silêncio e tranquilidade. Uma música de fundo e uma luz mortiça convidam a
uma bebida e a uma leitura. E, na televisão, alguns vão olhando as incidências
de um qualquer evento desportivo e nem o jogo de um clube muito popular de
Lisboa e de Portugal de vermelho vestido a medir forças com um grupo do norte,
retira a calma de quem de forma civilizada vê um jogo de futebol. Depois há os
outros, os que não se interessam pelo pular de uma bola e continuam enfronhados
num jornal de referência nacional. E aquele homem já de certa idade, que todos
os dias ali aparecia com a sua companheira e falavam em surdina chamou-me a
atenção. Aquela cara não me era estranha e cheguei a confundi-lo com um antigo
advogado de Coimbra. Naquele princípio de noite, enquanto alguns olhavam um
qualquer jogo do campeonato de futebol, aconteceu ficarmos em pequenas mesas
juntas, sem que nem a ele nem a mim interessasse a contenda. Inevitável que a
proximidade me deu azo a perguntar-lhe, pedindo-lhe que me relevasse o
atrevimento, se não tinha sido advogado em Coimbra. Então, tive uma resposta
surpreendente. Sabe – disse-me – de facto fui advogado, juiz, psicólogo, médico
e tive também outras profissões. E perante a minha perplexidade acrescentou
… fui ator de teatro, pelo que é
provável que a sua confusão é de me ter visto em programas de televisão onde
trabalhei vários anos. Depois, de novo se afundou na leitura do seu jornal e eu
após ter bebido um sumo refrescante, despedi-me dele com um aperto de mão que
selou um conhecimento ocasional, mas com a certeza de um gosto em comum –
aquele refúgio do nosso contentamento à beira – mar plantado.
QP
Gostei do texto e de saber do repouso que disfrutas na bela Ericeira. Antes de acabar a leitura levou-me a ir ao fim do texto para saber o nome da personagem das multi profissões. Não tiveste coragem de lhe perguntar... Ou não queres dizer?
ResponderEliminarResguardaria sempre a privacidade do ator, mas não lhe perguntei o nome. Mas fiz uma pesquisa e encontrei-o a contracenar com Camacho Costa e Vitor Espadinha ...
EliminarBoa resposta e verdadeira! Os momentos de conversa trazem-nos surpresas.
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