Rio Ocreza ...
Regressaram os dias tristes. E as noites de Outono. Pelo meio
da tarde, as nuvens descem sobre as montanhas. Uma estranha neblina invade o
vale e o Sol, que não se deixa ver, resguarda-se nas entranhas do Moradal. Lá
fora, o murmúrio de uma aragem agreste varre a planície e o planalto. É a dança
do vento. As árvores dobram-se em agonia, desnudadas de folhagem. Há uma
estranha calma nesta vertigem espacial. Parece que o Universo parou. Até uma
nora à beira do caminho parece comungar deste estranho hiato do Tempo. Há muito
que as suas rodas dentadas das engrenagens carcomidas de ferrugem deixaram de
gemer o seu arrastado pranto. Mas é uma estranha ilusão. Aos dias continuarão a
suceder as noites. E a noite voraz engole a aldeia num manto de escuridão. É
hora de arrumar as alfaias. De resguardar o gado que se passeia pelos campos.
De acender os paus com que se ateia o fogo. De colocar a panela de ferro tripé
ao lume. De ir à aloje e abrir a torneira da pipa a compasso. De encher o jarro
de vinho vermelho e espesso. De assar uma fatia de toucinho na brasa. Sente-se
agora o acolhedor estalar da lenha. Na cozinha rústica, o fumo esvai-se pela
chaminé enegrecida. E é ao clarão da lareira que se põe uma toalha branca na
mesa tosca, memória dos antepassados. Num cesto repousa o pão quente, a côdea
apetitosa a estalar. Neste ambiente de magia, já cheira a caldo saboroso. A
mulher, de tez enrugada, sentada no pequeno mocho de cortiça, vai mexendo o
caldo com uma colher de pau em movimentos ritmados. Tem os olhos fixos na fogueira
e pressente-se que está ausente. No regaço do avental negro, o abanador com que
vai atiçando as brasas. O homem, também distante nos meandros do seu
pensamento, medita nas coisas sérias da vida. Agora que a noite se acomodou
sobre a aldeia, a temperatura gélida tomou conta deste Lugar. E lá ao fundo, no
coração do vale, junto ao pontão do Tabuinhas, corre um rio. Sente-se o seu
cantar cristalino, por entre arvoredo e penedos. Mas ali, naquela garganta
estreita, o Ocreza ainda não tem estatuto de rio. Chamam-lhe apenas ribeira - a
ribeira do Ocreza. Mas por aqui, nesta paisagem agreste e desolada, é este o
rio de esperança pertença deste povo - o
seu rio de Outono.
Q.P
Excelente! Para quando um Livro? Parabéns. Um abraço.
ResponderEliminarO Ocresa pode não ter o estatuto de Rio, mas tu tens o estatuto de escritor e sem dúvida que os numerosos textos que já passaram por este blogue bem que davam um excelente livro...
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