quarta-feira, 29 de abril de 2020

O LODO E AS ESTRELAS - PARTE 3

PARTE 1
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PARTE 2
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Barragem de Bemposta 

Archer de Carvalho, arquiteto, tinha apenas 25 anos quando assumiu a construção das infraestruturas de apoio à construção das barragens. Não foi pacífico aquele invadir do planalto mirandês. Os povos, habituados à pacatez dos dias, não queriam o seu espaço devassado. Diziam ao arquiteto e seus colaboradores “ num queremos acá la barriage”. Em vão, que as casas e infraestruturas nasceram como cogumelos. Casas, farmácia, centro médico, escola, igreja, pavilhão, piscina, tudo foi construído para apoio aos utentes. De realçar uma espécie de supermercado, onde se podia encontrar pequenos comércios de fruta, carne, todo o género de mercearia e até peixe que vinha da cidade do Porto. A escola tinha sempre cinco ou seis professores permanentes. O centro médico, um clínico e um enfermeiro. A piscina tinha professores de natação vindos do Porto.
De novo o prosar sofrido de Telmo:

Quando Chove

Encontrei-o na estrada. Caminhámos juntos. Chama-se Ricardo e é natural de Marco de Canavezes. Falámos do tempo e das coisas.
- Onde vive?
- Lá adiante, num pombal.
-E o trabalho?
- Há quinze dias que não trabalho, por causa da chuva …tenho a mulher filhos a morrer de fome.
- Estão no pombal?
- Não, ficaram na terra. Eu vim e só trabalhei um dia.
- Que tem comido?
- Um companheiro de Moncorvo, que vive lá comigo, tem-me dado uns bocaditos de pão; ele também é pobre. Envergonho-me muito de pedir.
E chorou.
Senti – me tão pequenino, ao lado do mártir Ricardo, que fiz os meus passos mais brandos, para sentir melhor o “ruca – truca” dos seus socos abertos. Chovia. Ele ia numa sopa. Pensei: enquanto chover, este pobre tem que comer a lama dos caminhos, como fel que lhe traz a recordação contínua da mulher e dos filhos.
(24 de Dezembro de 1955)

2 comentários:

  1. O interesse pela leitura sobre a barragem do Picote, agora não só pelas condições criadas para os trabalhadores, como o problema descrito com a fome nessa zona de Portugal, especialmente quando as condições atmosféricas não permitiam trabalhar....

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  2. Mais um texto, sobre a construção da barragem, com uma força enorme e com uma angustiante realidade. Ninguém pode ficar indiferente a um texto destes!

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