…
a sobrevivência vinda do céu ...
Alguns dos que combateram em África, sabem o significado da
palavra “frescos”. Sobretudo aqueles que, como eu, estiveram em zonas remotas,
na linha de fronteira com o antagonista. Durante uns longos dezoito meses de
uma comissão de mais de dois anos, vivi perto de um covil de guerrilheiros e de
abelhas assassinas. Por vezes, nessas zonas despovoadas, faltava a comida.
Arroz era o prato de luxo para quem não tinha mais nada para digerir. Então, nesses momentos, avançavam os
“frescos”, que mais não era que comida lançada do ar em paraquedas por aviões
da Força Aérea. A nossa sobrevivência alimentar tornava-se sempre um reboliço
com a chegada dos géneros alimentícios tão necessários. Uma manobra perigosa,
que requeria muita atenção pelo peso dos enormes caixotes que batiam no chão
com violência, apesar de virem seguros por paraquedas. Com o entusiasmo, os
soldados num impulso queriam invadir a zona onde caíam os “frescos”, mas logo
eram contrariados pelos seus superiores para que não sucedesse qualquer
acidente grave. E, realmente, na nossa Base de Canjadude nunca sucedeu. Em
determinado dia, indo de Bissau para o Gabu, aconteceu – me viajar num avião
que ia lançar os “frescos”. O paquiderme voador levantou voo, para mais tarde
escancarar uma rampa na cauda do aparelho para essa função de lançamento. Por
desdita minha, fiquei no último banco lateral a escassos passos do abismo,
juntamente com dois paraquedistas que empurravam a mercadoria borda fora. Eles,
pelo sim pelo não, iam equipados para a eventualidade de caírem do avião
juntamente com a mercadoria. Foram duas longas horas às voltas, abastecendo
vários aquartelamentos no mato, com a aeronave por vezes a inclinar-se e eu
agarrado ao banco a olhar o abismo, mesmo que preso por um cinto de segurança.
Mas tudo correu bem. Foi mais uma experiência na minha vida militar. O
hilariante nesta história, foi o dia em que um avião sobrevoou a nossa base
para lançar os víveres. Apesar de bem acondicionada, geralmente e com o impacto
no chão, nunca sobrava nem um ovo para fazer uma omeleta. Mas naquele dia foi
pior, porque os enormes paraquedas e respetiva carga caíram em cima de cerca de
cento e cinquenta metros de arame farpado da vedação do aquartelamento que
ficou destruída, bem como toda a estrutura de suporte. E ele, o capitão Gil, de
punhos cerrados para o ar como se os pilotos o ouvissem num português que me
escuso a reproduzir, a dizer furioso mais ou menos isto:
- Imbecis, já não
basta partirem os ovos e ainda me estragam o arame farpado …
É claro que o verbo “estragar”, é apenas um vocábulo
demasiado brando para o português vernáculo que foi dito em irritado desespero...
Q.P.
Olha que bem que podias ter sido lançado do avião, que tu também és "fresco"...
ResponderEliminarAventuras e desventuras da passagem pela guerra... Agora percebi porque foste todo afoito voar com o meu neto... Com essa tarimba... Foi um doce!
ResponderEliminar