terça-feira, 15 de setembro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE- PROSA



Do que hoje me havia de lembrar...

 Na minha aldeia fazia-se, todos os dias, comer para o porquinho - a vianda. E, embora ele comesse de tudo o que aparecia, o certo é que quanto mais depressa ele aumentasse uns palmos de comprimento, melhor seria.  Quem tinha poucas terras de cultivo precisava de poupar as colheitas para a altura da engorda ( batata e castanhas miúdas, beterrabas, nabos, milho...). Então, optavam por comprar um porquinho maiorzito, embora mais caro, no princípio das colheitas de Outono. 
 Entrementes, ia-se até aos baldios em busca de abrótea, beldroegas, alabaças, para fazer o entulho mais grosso e gastar menos farelo. Tudo era muito bem aproveitado. Até as cascas das batatas do caldo da ceia, eram bem guardadinhas. Se ainda não houvesse  porco, todos os desperdícios iam para o caldeirinho e, enquanto se punha a mesa, uma das cachopinhas, tal como eu, dávamos uma corridinha para as entregar a uma das nossas amigas, que já tivesse marrano. 
 O que me metia mais confusão, era nunca haver um dia de folga para ninguém. Os animais todos exigiam atenção constante desde o romper da aurora até ao anoitecer. Também eram eles que mais ajudavam o dono nos trabalhos de cultivo, desde a sementeira às colheitas. 
 Certo dia, nasceu uma das netas do meu tio avô Eduardo. A avó bem queria ir para Lisboa cuidar da enteada e da netinha. Mas quem ia com as vacas ao lameiro, quem cuidaria da burra, das galinhas?!  Meu tio era guarda fiscal, tinha serviço diário e nocturno! Os cinco filhos (quatro mulheres e um homem) estavam espalhados pelos quatro cantos de Portugal. Eu, garota pequena, ouvia as lamentações e ficava horas e horas a matutar no que ouvia. As crianças não podiam imiscuir-se em conversas de adultos, mas eu rebentava se não falasse:  _ “Minhas tias,  explodi, e se eu levasse as vacas ao lameiro todos os dias?! Também já sei abrir e tapar a capoeira das galinhas, encher a pia de água e dar-lhes o milho!  "
         Todos riram a bom rir, mas não me ralharam por me ter  metido na conversa. O que é certo é que se arranjou uma solução e, a minha tia Palmira foi na camioneta da carreira para Lisboa e ficou lá quinze dias, embora muito preocupada , como dizia depois. 
 E eu ganhei uma cestinha de loiça pequenina que nunca parti ... e guardei como um tesouro.
 Georgina Ferro


Sem comentários:

Enviar um comentário