ALCOOLISMO E MISÉRIA
Ao fundo da ladeira de quem descia do Bairro para o sinaleiro do Calhabé, antes da passagem de nível do comboio da Lousã, existiu durante anos um velho casebre de madeira onde vivia a Porfíria.
“Porfíria bêbada” era o que a criançada lhe chamava na sua inconsciente crueldade infantil.
Alcoólica em grau extremo, vivia da caridade das pessoas das redondezas a quem esmolava uns tostões que depois gastava na taberna, onde dava de beber ao seu vício.
O vinho e os bagaços tiravam-lhe a noção do tempo e levavam-na, por vezes, a bater à porta das casas do Bairro e da Estrada da Beira, de dia ou de noite, para pedir uma esmolinha.
As pessoas, para evitarem os berros em que a Porfíria desatava quando não lhe acorriam com a celeridade desejada, apressavam-se a desembolsar-lhe os trocos que ela reclamava.
Certa vez, a dona da casa onde ela tinha ido bater à porta, resolveu não a atender. Era Noite de Natal, a família estava reunida para o jantar da consoada e ela achava que o abuso passava as marcas.
Mas a gritaria era tanta que, para se livrar da alcoólatra, acabou por pegar no porta-moedas, tirou duas e abriu a porta.
Espantoso! Desta vez, a Porfíria não vinha pedir esmola! Trazia um urso de pano que queria oferecer como prenda de Natal à filha mais nova do casal.
A dona da casa não queria aceitar aquele brinquedo velho e ensebado, e recusou repetidamente a oferta. Mas, perante a veemente insistência da Porfíria e a conselho do marido, acabou por aceitar o urso, só para se ver livre dela.
O brinquedo foi lavado e a criança passou a dormir com ele na cama. Ganhou uma enorme afeição pelo velho urso...
Tempos passados, a Porfíria voltou a bater à porta daquela casa. Sem explicação, reclamava em altos berros a devolução do urso. Coitada, era o vinho a falar e não ela, mas a exigência era peremptória...
Para evitar o escândalo da gritaria daquela desgraçada, a dona da casa que olhava constrangida as persianas de algumas casas vizinhas a abrirem-se para assistirem àquela patética cena, foi buscar o urso e devolveu-o à Porfíria.
No dia seguinte, na mercearia do Sr. Nunes, em conversa com uma vizinha do Bairro, contava o sucedido. A outra disse-lhe:
- Muita sorte teve a vizinha! A mim, já me aconteceu coisa parecida e o escândalo foi muito maior. A Porfíria, uma noite, ofereceu-me um frango, que nós depenámos e comemos. Uns dias depois veio exigir-me, aos berros, que lho devolvesse
Reposição de 2010
Um excelente texto que retrata bem a realidade que se vivia nessa época tão tenebrosa.
ResponderEliminarObrigado Alfredo
EliminarQue bem me lembro como tinha medo dela
ResponderEliminarTambém conheci bem a Porfíria
ResponderEliminar, passando inúmeras vezes por esta zona, pois era o caminho mais perto para chegar ao eléctrico, vindo ou indo para o Bairro.