sexta-feira, 27 de novembro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE - TEXTO DE KITO PEREIA

 TOLDOS …

 


O Outono entrou silencioso e banhado de sol neste rincão algarvio. As praias, despidas das multidões dos meses de verão, parecem ser agora o lugar ideal para momentos de reflexão e diálogos com o mar. Sentados à sombra de um toldo e recostados numa espreguiçadeira, dá para perceber que os veraneantes têm agora outro registo. Gente de idade mais avançada, que vão passeando pela praia de forma despreocupada e se sentam à mesa dos restaurantes degustando o peixe escalado tão ao gosto dos algarvios. Os empregados de mesa, já não andam numa roda vida. Esforçam-se pela eficiência e até dá por vezes para trocar opiniões com os clientes. Lá em baixo, no areal, os toldos brancos e listados de azul já são poucos. E a mulher de rosto com rugas de muito mar, vai cobrando o seu aluguer e das espreguiçadeiras dos que estão dispostos a pagar pouco mais de sete euros por seis horas de ociosidade. E ela, nos seus calções brancos como a espuma do oceano, vai calcorreando a areia naquela que é a profissão da sua vida. E, pelo fim da tarde, a azáfama de recolher e enrolar os toldos e empilhar os colchões das espreguiçadeiras, que o mar amistoso pode de noite mudar de cara e roubar os adereços que são o seu ganha-pão. Lá para meio de Outubro, os apoios de praia ficarão fechados numa arrecadação, à espera de um novo ano e esperança de melhores dias. E ela, a mulher de calção branco e cara de muito mar, irá para lá da fronteira, na rota de um país de muitas montanhas geladas, recebida nos braços da sua família emigrante que a acolherá. Na mala, levará saudades e emoções. Também a secreta vontade de um trabalho sazonal na Suiça do seu encanto, que lhe permita juntar mais uns euros no fundo da gaveta, até ao dia de regressar ao areal da praia da sua vida e de novo montar os seus toldos riscados de azul. E de poder abraçar o mar generoso que é o seu pão com sabor a maresia.

Kito Pereira

Cidade de Lagos, 7 de Outubro 2020

4 comentários:

  1. Quando o final da época de praia chega,vem o arrecadar de tudo que só na próxima época volta.
    De realçar que a vendedora do saboroso pastel deixa de ser emigrante sazonal...e volta ao seu país, porque a vida não se ganha só no verão ...

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  2. O vaivem dos emigrantes sazonais arrastados na esteira dos turistas sazonais.
    Lá fora estes pagam àqueles p trabalho insano.
    Cá, aqueles recebem dos mesmos os magros euros em troca do aluguer de toldos e de esprequiçadeiras para eles se esparramarem ao sol ouse protegerem da canicula.

    É o ciclo interminavel do tempo.

    Interminavel?

    Não. Nos tempos que correm nem os de cá vão para lá nem os de lá para cá vêm.

    É a malfadada pandemia a quebrar o ciclo.

    Um abraço Quito

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