O HOMEM SEM NOME …
Hoje está um dia pasmado de calor. Percorro as avenidas
largas da cidade e as rotundas de canteiros floridos. Vou na demanda de uma
churrasqueira e não estou particularmente entusiasmado. Frango de churrasco é
remendo para o estômago em tempo de correria no frenesim das cidades. Mas não
em tempo de lazer. Ali, naquela rua banhada de sol, o estabelecimento é pequeno
e estreito. Lá dentro estão dois irmãos que, a suar, vão virando frangos
assados a entregar aos clientes. São baixos e atarracados. Parecem saídos dum
filme dos anos quarenta. Um, tem um pequeno bigode negro que lhe enfeita o
lábio superior. O outro tem o cabelo ondulado empastado de brilhantina. Entro
na loja e vejo que não estou só. Uma mulher gorda e tagarela vai falando com os
irmãos e percebe-se que se conhecem há muito tempo. Também o sotaque dela não
desmente a sua origem algarvia. Lastima-se que tem a casa cheia de gente e
levou com ela dois sacos cheios de comida que pagou com duas notas de vinte
euros dos quais não recebeu troco. E, da mesma forma despachada como falava,
partiu. Então, encostado a uma vitrina, reparei num homem que emergiu do fundo
do Tempo. Vestia modestamente e uma barba espessa forrava-lhe as faces
chupadas. Fiquei com a vaga ideia de que um dia o vi numa rua da cidade com um
balde na mão a vender figos. Mas, na bruma da memória, fiquei suspenso pela
incerteza. Para mim, aquele era apenas e só um homem sem nome que vagueia pelo
barlavento algarvio. Outro marinheiro do Infante e da Vida. Mantinha-se em
silêncio, meditabundo, e quando questionado do que queria levar para almoçar,
pediu somente duas pequenas asas de frango. Duas asas por dois euros. Com uma
caixa de plástico transparente na mão, partiu. Dois euros seria o orçamento
caseiro para enganar a fome. Vi-o sair da loja tão calado como tinha aguardado
a sua vez de ser servido. E aquele homem com rosto e sem nome desceu a rua
devagar a refugiar-se no drama da sua pobreza envergonhada. Talvez uns figos
colhidos numa qualquer herdade lhe complementem a refeição da dignidade que
merece. Naquele início de tarde de um sol escaldante, dois simples euros seriam
talvez o preço da sobrevivência.
Kito Pereira
Cidade de Lagos, 20 de Agosto de 2O2O
exto magnífico que lhe poderia chamar o texto da pobreza envergonhada!
ResponderEliminarSei dar o devido valor da fome,mas desta vez,não envergonhada, que aconteceu há anos,aquando dum passeio da malta do nosso Bairro de que faziam parte os saudosos Gina e seu marido Jorge Carvalho...
Tanto andamos e restaurante procuramos que a fome me pediu socorro!
Mas Deus estava comigo e com o meu estômago!
Uma churrascaria ao virar da esquina apareceu e nos salvou!
Consegui dar com o restaurante que os amigos finalmente encontraram...e lá apareci não com uma asa,mas uma boa coxa de frango já quase toda acabando no meu esfomeado estômago!
Lembras-te Quito dos jaquinzinhos?
Foi um passeio que não mais esquece e onde tivemos a magnífica companhia da Gina...no seu último passeio!
Começou a comer o frango logo no balcão de atendimento enquanto procurava o dinheiro para pagar,perante a empregada verdadeiramente espantada com tal situação!
ResponderEliminarSó visto...