Saber falar é outra coisa!
Frequentemente, uma palavra certa no momento certo é uma chave eficaz para abrir as portas da existência mais remediada. Saber o que dizer e quando o fazer é um dom acessível a todos, mas recolhido por muito poucos.
Nos primeiros encontros e apresentações de grupo — recordem-se os reality shows recentes – é frequentíssimo ouvir anunciar, como grande qualidade pessoal, a frontalidade. Não a conceção real desta caraterística somática, mas antes aquilo que as pessoas acham que é a ‘frontalidade’.
“Ah, porque eu tenho uma coisa comigo: sou muito direto/a e digo o que penso à frente das pessoas” é uma das frases mais ouvidas num primeiro contacto. Outras dizem então que não são fingidas e não têm filtros, que são honestas no que dizem. Depois de aferidas as ponderações do comportamento e da atitude, percebemos que o que aquela pessoa queria dizer era: “Sou uma pessoa que não sabe avaliar as coisas, que tem opiniões superficiais, não mede as palavras e, como sou mal-educado/a, digo apalermadamente o que me vem à cabeça e gosto de ofender.”
Confundir este tipo de ‘frontalidade’ com assertividade é um erro demasiado comum. Para muitas pessoas, a forma temerária de falar denota um caráter forte, ousado e de liderança, esquecendo-se de que o verdadeiro comunicador e líder tem de saber usar a subtileza da linguagem com eficácia, criticando sem ofender, corrigindo sem humilhar e discordando sem afrontar. Tem de ficar claro que comunicar com assertividade é garantir o máximo de eficácia na intenção comunicativa, com o respeito total pelo seu interlocutor.
Recordo um breve episódio que neste verão me foi contado na primeira pessoa, em que um homem experimentado teve de usar de uma arte de falar cheia de sabedoria e engenho.
Deu-se o caso de determinado pai enviar todas as quintas-feiras a Lamego um cesto com as novidade das terra a um seu genro que, vivendo na cidade, delas não dispunha. As couves, cenouras, alfaces, batatas e quejandas seguiam num cesto de duas arrobas, às costas do filho ou à cabeça da criada. Alternadamente, coube-lhes ir à cidade, de quinze em quinze dias, durante um par de anos.
Um dia, o filho virou-se para o pai e disse:
“Amanhã, que vá a Laura a Lamego com o cesto, que eu não vou!”
“Então… não vais porquê?”
“Porque o seu genro dá sempre cinco c’roas de gorjeta à Laura, que não lhe é nada, e a mim, que sou cunhado, nem um pataco me dá.”
O pai ficou a matutar e deu razão ao rapaz, mas não sabia como resolver a situação sem colocar em causa a face do genro.
Falou com o filho e disse-lhe: “Amanhã vai então a Laura, mas na outra semana vais tu, porque eu mando e nem penses em dizer que não.”
O filho teve de obedecer e, no dia marcado, regressou a casa, eufórico, com os vinte e cinco tostões no bolso.
Podíamos agora imaginar que o pai teria exercido algum tipo de pressão sobre o genro e teria mesmo sido agressivo nas palavras. Poderia ter-lhe dito, como sogro e pai, que achava a atitude incorreta ou até mesmo ter apodado o genro de injusto e forreta. Mas não fez nada disso. Com a maior das subtilezas, substituiu-se no dia seguinte à Laura e depois de pousar o cesto nas escadas do genro, pegou numa moeda de dois e quinhentos, que retirou da bolsa que trazia presa ao colete por uma corrente, e disse:
“Tome estes vinte e cinco tostões e na próxima quinta-feira, quando o rapaz lhe aparecer em casa com o cesto, dê-lhos, mas não diga que fui eu que mandei.”
O genro acusou o toque e, obviamente, não os aceitou, mas foi remédio santo. Nunca mais faltaram as merecidas cinco coroas!
Prof. Antonino Silva -Coimbra
Maravilha!
ResponderEliminarAssim, mesmo tendo saído do Fosca-sebook, continuo a ter acesso aos textos-pérolas do Antonino!
Espero que mais textos pérolas sejam publicados....para mais tarde aqui sejam recordados.
ResponderEliminarO EG agradece
O amigo Antonino é mestre a relatar factos verídicos dos tempos passados das vivências da sua infância e juventude!
ResponderEliminarUma delícia.
O amigo Antonino é um escritor de muito mérito. Gosto de ler tudo o que escreve. Belíssimo !!!
ResponderEliminarMaravilha mesmo !!!
ResponderEliminarO amigo, reconhecido, agradece.
ResponderEliminarUlhó gajo!...
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