30-09-1960
Nesta data especial...
"Encontro de Gerações" deseja
MUITAS FELICIDADES!
PARABÉNS!
30-09-1960
Nesta data especial...
"Encontro de Gerações" deseja
MUITAS FELICIDADES!
PARABÉNS!
ANTÓNIO Guilherme DOUWENES Vicente
Faleceu já há dias, mas sendo amigo e participado no Encontro de Gerações, dá-se conhecimento a todos os amigo/as do EG e não.
Encontro de Gerações envia a toda a família sentidos pêsames
AQUELA NOITE EM BOLAMA
…
Foi numa tarde quente que parti. De mala de cartão na mão e
uma sacola ao ombro, despedi-me do meu batalhão e da minha companhia militar
com quem cheguei a África. Para trás, ficaram amizades forjadas na guerra,
segredos contados, cumplicidades repartidas e revelações dos encontros e
desencontros dos amores deixados na pátria – mãe, fosse de familiares ou das
namoradas que de letra redonda e em papel amarelo fornecido pelo exército,
levavam e traziam juras de amor eterno.
O meu destino provisório era Bolama. Em trânsito para uma
companhia africana, eu assentava arraiais naquela ilha paradisíaca, de
vegetação luxuriante e de perigo reduzido em cenário de guerra. Seria um hiato
no sobressalto das armas. De barco lá cheguei. Numa canoa comprida e sem velame,
impulsionada por um motor fora de bordo, onde se misturavam alguns militares
com uma plateia de africanos de roupas coloridas, sentados em cima de sacos de
arroz e que levavam consigo gaiolas de pássaros exóticos, peixe seco que
deitava um cheiro nauseabundo, cabritos presos por uma corda e galinhas em
capoeiras improvisadas. O excesso de carga fazia o barco quase soçobrar, com a
água do rio a ameaçar transbordar e a invadir a embarcação e a arrastar tudo
para o fundo. Nada que incomodasse os africanos, habituados a este diálogo
marítimo entre a canoa e o Geba.
Bonita era Bolama. Uma viagem num pequeno jipe de patrulha,
dava para apreciar aqui e ali belas casas senhoriais de fachada imponente e em
avançado estado de degradação. O soldado africano que comigo seguia ao volante,
cantarolava canções africanas, descontraído. E eu, habituado às picadas de onde
podiam vir todos os perigos, de dedo fixo no gatilho, desconfiava de tanto
turismo. A chegada ao quartel depois da missão de que fora incumbido, era
sempre o meu descanso.
Naquele quartel coabitavam militares africanos dos vários
ramos e especialidades das Forças Armadas. A nossa missão era aprender a
conviver ainda mais com a realidade e os costumes indígenas, antes de
integramos as companhias para onde seríamos enviados, no meu caso no leste da
Guiné. Foram tempos calmos, sob o comando do capitão Repolho de seu nome.
Tempos mesmo aprazíveis, até um dia que foi uma noite num botequim da ilha. Uma
discussão entre elementos da tropa africana dita normal e um grupo de
fuzileiros navais também africanos, descambou numa feroz e perigosa zaragata.
Disseram testemunhas, que os fuzileiros que eram vaidosos e se gabavam de ser
tropa de elite, chamaram aos outros “tropa – macaca”. Foi o rastilho para uma
desordem monumental naquele pedaço de ilha, com as restantes tropas a apartar
com dificuldade os grupos desavindos e a encurralar os fuzileiros e a mete-los
à força na sua unidade naval. Daquela refrega onde andei meio perdido até de
madrugada, sempre sob as ordens do capitão Repolho, lembro-me de ter entrado na
enfermaria e ver deitado numa enxerga um gigante negro com perto de dois metros
de altura e de soberbo porte físico, que
sobreviveu a trinta e nove ferimentos de arma branca exaradas no relatório
médico. Um mar de sangue.
Afinal, a guerra naquela noite tinha - se instalado em
Bolama. E o perigo não tinha vindo do exterior, mas de uma guerra intestina entre
militares africanos que viviam sob a capa protetora da bandeira portuguesa.
Kito Pereira
MARIA FERNANDA CANELAS
NANDA CANELAS
1946
Faleceu hoje.
O velorio é amanhã das 15 as 19 na capela de st.antonio , junto ao parque de aveiro .
Sábado será o funeral pelas 10.00 no mesmo local seguindo para o cemiterio do botão (souselas)
Um abraço a todos .
Angelo Canelas (filho)
Encontro de Gerações envia a seu marido e filhos sentidas condolências
A tia deixou-me o vestido lavado nas costas da cadeira, a água na bacia do lavatório para me lavar e a malga do café com leite e sopas migadas sobre a mesa. Quando já estivesse pronta podia ir fazer carava à mãe da senhora Isabel Augusta para a Zefinha ir fazendo a lide da casa. À hora da merenda, a tia viria buscar o açafate e podíamos ir juntas para eu ajudar, também, a apanhar as batatas.
Ainda a tia fechava o portão do curral já eu assomava de combinação, desgrenhada e pé descalço ao varandim do balcão.
_ Tia, deite-me a sua bênção. Já são horas de eu ir?!
_ "Ai rábia te pele", podias ficar mais um poquenino na cama, cachopa! Porta-te bem, não sejas impachosa! Deus te abençoe. Só vais depois do sol dar na Lage da Lancha, está bem? E cala-te um poquenino, não enfades a Menina Zefinha!
_ Não enfado, não senhora! Ela gosta muito de mim e eu faço tudo o que ela me manda.
_ Ai meu "taneno", fica com Deus.
Entrei, fui lavar a cara, ou melhor, molhar os olhos e a cara, esfreguei duas vezes as mãos com o sabonete de madeiras do Oriente (que cheirava tão bem!) e passei-as por água, antes de as secar na toalha de linho pequenina que a tia me tinha feito com as abas de um lençol já poído no meio. Tinha o meu nome bordado a ponto de pé de flor e uma linda rendinha na ponta. Depois, voltei a dobrá-la e a colocá-la no lugar. Fui enfiar o vestido e coloquei as alpargatas, embora sem vontade, mas a tia não gostava que eu fosse descalça para casa de outras pessoas! Só depois fui para a cozinha. Comi as sopas a custo e tive a tentação das ir despejar para a pia das galinhas, mas sabia que a tia ia ficar zangada e isso é que eu não queria de forma alguma!...
Nunca mais chegava o sol à Lage da Lancha! Naturalmente tinha-se esquecido de nascer! Até porque já se ouvia o chiar do cambão das noras para regar as hortas! As vacas do senhor Doutor Esteves já lá iam a caminho do lameiro...
"Naturalmente o sol hoje não quer vir! A tia diz que no Inverno às vezes não vem!... Afinal já lá vem! ", - gritei de mim para mim.
E lá fui eu, de boneca dependurada da mão, aos saltinhos pelo largo do Enxido!
_ Menina Zefinha, já está levantada?
_ Já sim, minha cachopita! Entra. O que queres comer?
_ Eu já comi! Muito obrigada. A avó ainda está no quarto?
_ Ainda. Olha eu vou encher o cântaro antes dela acordar, está bem?
_ E eu vou varrer o corredor, quer? A tia diz que eu já varro muito bem!
Lembrei-me do aviso da tia e calei-me um poquenino, que não seria por muito tempo não fosse a Zefinha sair apressada buscar água ao chafariz. Pois, por mais recomendação que me dessem eu dificilmente me lembrava de manter a boca fechada!...Ainda hoje, se não tomo tento, lá vou eu soltando a grafonola, mas prezo-me de não falar da vida alheia...
Bem, vou ficar por aqui, senão ...
Georgina Ferro
"XANI"
21-09-1949
Nesta data especial...
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MUITAS FELICIDADES!
PARABÉNS!
Guiné Bissau
O CAÇADOR …
Victor Baldé dava nas vistas pela sua compleição física de braços robustos e um tronco musculado numa
cabeça de menino. Uns olhos grandes que lhe sobressaiam da tez escura e duas
marcas no rosto feitas com um ferro em brasa junto das fontes, davam - lhe o
estatuto de confrade da etnia Fula, supostamente a mais arguta das tribos
africanas da Guiné.
Um dia apareceu à porta da Escola Regimental de Canjadude.
Queria saber ler e escrever. E o furriel miliciano, atirado para a fogueira de
Mestre – escola onde tudo era improviso, convidou - o a entrar e sentar – se
num banco de madeira. Uma tábua comprida suportada por dois bidons, um em cada
extremo da prancha, servia de carteira onde se amontoavam os meninos, os livros
coloridos, os lápis e as afiadeiras. Não foi preciso esperar muito tempo para
perceber que o Victor Baldé era mais perspicaz que os outros. Rápido aprendeu
fazer o seu nome em letra redonda. E de somar 2 + 2 igual a 4.
Por vezes, o Victor desaparecia da tabanca. Era hora de
caçar. Por lá andava sozinho, sumindo – se na mata sem deixar rasto. Descalço,
de tronco nu, partia de sacola ao ombro, levando consigo uma velha e rudimentar
espingarda e uma faca de mato à cintura e pela bolanha andava dois ou três
dias. A noite morna africana, servia-lhe de manta de agasalho ao corpo desnudado.
Nada que preocupasse a comunidade a sua ausência. Como sempre, voltava a casa
trazendo acondicionada em folhas largas de palmeira e envolta em pedaços de
sarapilheira, a caça que previamente tinha esquartejado no mato e que
transportava à cabeça. Depois, na tabanca e em cima de uma esteira, a carne
sobrevoada por moscas era leiloada e desaparecia num ápice, sendo a gazela o
petisco mais procurado.
Numa
tarde, naquela prática que já lhe vinha dos antepassados, de novo partiu e por lá andou três dias. E ao quarto dia, voltou.
Como era habitual, trazia à cabeça as peças caçadas. Mas numa mão e de rastos
preso pela cauda, um pequeno jacaré que tinha abatido nas margens do revolto
rio Corubal. Um troféu que exibia com orgulho e que arrastou durante os onze
quilómetros que mediavam entre o rio e a tabanca seu porto de abrigo. Grande foi o
entusiasmo mesmo na família militar. Todos queriam ver e ser fotografados junto
daquele projeto de jacaré. Então, com surpresa ou talvez não, o animal foi
esquartejado e vendido aos muitos interessados na iguaria na tabanca. E o
Victor, de novo sentado no banco da escola, confessou na sua simplicidade de
menino – grande, que o banquete de jacaré tinha sido de arromba.
Kito Pereira
TÓ MANÉ
13-09-1945
Nesta data especial...
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MUITAS FELICIDADES!
PARABÉNS!
12-09-1951
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PARABÉNS!
Cheguei à Aldeia depois da abalada massiva dos emigrantes. A maioria das casas ficara fechada à chave, coisa que antes não soía. Mas a minha avó e as suas parceiras ainda por lá cirandavam, com ar angustiado. Embora os filhos e netos tivessem sido duma enorme ajuda, pois gadanharam e enfaixaram o feno; ceifaram, malharam e guardaram o centeio; apanharam algum poquenino de feijão, mais adiantado!... A verdade é que não tinham arrancado as batatas porque a terra estava tão seca e dura que não havia enxada que lá entrasse; as espigas do milho ainda estavam muito leitosas; os ouriços dos castanheiros estavam pequeninos e as castanhas por formar!
Quem tinha os seus homens, mesmo já velhinhos, ainda que demorassem mais uns dias lá iriam dando conta do recado!... Mas as viúvas, idosas e cheias de achaques, já olhavam para tudo com desânimo!... E, se antes todos se ajudavam, agora era muito difícil prestar ajuda aos outros sem terem força para isso!...
. _ Aí mãe, "tchegastes" mesmo em boa hora! _ declarou minha avó!... _ Que bom terdes férias em Setembro. Então com quem viestes?
. _ Viemos todos, avó!.... Havemos de lhe deixar o milho desfolhado e as castanhas apanhadas antes de nos irmos embora. A escola só começa em Outubro. Os nossos amigos de fora prometeram vir ajudar-nos.
. _ Ai, Deus vos abençoe!....
Georgina Ferro
08-09-1946
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MUITAS FELICIDADES!
PARABÉNS!
Aproveita o que não presta e terás o que te é preciso.
Nesta sociedade de consumo descartável, em que muito parece efémero e pouco é duradouro, fica-nos a sombra daquilo que alguma vez tivemos e hoje gostaríamos de voltar ou continuar a ter. Usamos, dispensamos e botamos fora tudo o que já não serve, por defeito ou feitio. Falo de coisas, de ideias e de pessoas.
Quando uma coisa é deixada de parte ou lançada fora, não é só ela que se vai: com ela seguem as ideias e vivências que evocaram e as pessoas que de alguma forma se relacionaram com elas. Um brinquedo que na altura nos parecia velho e sem uso, que acabamos por deitar ao lixo, levou consigo muito mais do que era. Não o vendo, já não lembramos aquele ou aquela que no-lo deu nem os amigos que à volta dele brincaram.
Em contra corrente, temos agora em nós um museu da alma que nos traz a saudade do que já tivemos. Por isso, compreende-se que alguma coisa fique no tempo e permaneça perto, à vista da passagem repentina do olhar. Todos guardamos uma peça de loiça dos avós, um livro da juventude, um brinquedo da infância e tantas coisas mais. Achamos mesmo o máximo ver à venda o livro da nossa antiga 3ª classe, o treco-treco ou a trotineta de madeira que se comprava nas feiras. Só não pegamos e não damos uma volta airosa pela rua porque temos aquela vergonha da adultice, de ar sisudo, que não acha piada a estas extravagâncias.
Recordo-me de uma profissão que na minha infância já quase estava extinta, mas que ainda tive o privilégio de ver operar. Lembro-me vagamente do deita gatos que passava pela aldeia e, de uma vez só também compunha sombreiros de pano, compunha potes e amolava tesouras e navalhas.
O deita-gatos e o compõe-potes tocavam profundamente nos corações das donas de casa que tinham tido a visita do infortúnio num prato ou travessa que se partira ou num pote que ficara tempo demais ao lume sem água e, por isso, se rompera. O amolador era mais eclético e salvava a figura do dono da casa, mas também da menina namoradeira que precisava do seu sombrinha para andar de enleio às voltas do adro ou da feira.
O deita gatos passava e, meticulosamente, praticava uma cirurgia plástica que, pragmaticamente, dava mais uns anos de vida ao prato ou à malga, ignorando que, muitos anos depois, o seu trabalho valorizaria tais objetos e que, por cada gato, haveria uma memória a evocar. Ninguém pergunta ou sabe a idade do prato, mas, ao vermos os gatos, vemos logo que é coisa antiga e sobrevivente ao tempo. Mesmo que não seja antiga, é assim que a vemos. Se para a senhora da casa foi um remedeio necessário, para os herdeiros é uma preciosidade. É estranho? Claro que sim, mas é desta forma que as memórias se fazem.
Uma curiosidade linguística: a palavra “gatado”, significando algo errado, imperfeito ou corrigido, tem a ver com o exercício desta profissão e, na literatura, um dos poetas maiores do século XX não deixou passar ao lado a subtileza dos remendos no corpo e na alma. Deixo-vos com ele:
Ó rapaz que deita gatos
Deitas gatos só em pratos,
Só em tachos e tigelas,
Ou deitas gatos também
Nas almas e no que há nelas
Que as quebra em mal e em bem?
Ah, se, por qualquer magia,
As tuas artes subissem
Àquela melhor mestria
De pôr gatos que se vissem
No que sonho e no que sou!
Então...Qual então! Que tratos
Dei a um poema que surgiu!
Só consertas, só pões gatos
No inteiro que se partiu.
O partido nasceu
Nem tu consertas nem eu.
Fernando Pessoa, 1933
Foto: Deita Gatos, 1910. Aguarela sobre papel. Coleção Museu Almeida Moreira, Viseu. Exposta temporariamente no Museu Grão Vasco.
Por Prof Antonino Silva
01-09-1942
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