terça-feira, 25 de janeiro de 2022

ENCONTRO COM A ARTE-PROSA - ACORDEI

 Acordei. Lá fora o vento sopra barulhento. Eu gosto dele. Gosto de olhar para as traquinices dele. Pena eu já não ter agilidade para ir lá para fora a brincar também. 

Ponho-me atrás da vidraça e vejo as suas tropelias. Agora arrancou um montão de folhas e leva-as pelo  alto, alto...depois descem e voltam a levantar... Lá mais ao fundo deixa-as cair aos trambolhões. Depois, sopra-as devagarinho para ficarem alinhadas junto ao muro branco do passeio, já atapetado com milhares delas: folhas de plátano, de tília, de álamo,  bolinhas e folhas de mélias... E o maroto vai e volta atrás a colher laranjas das laranjeiras da rua da frente. E meia dúzia delas não lhe resistem. Com o peso que têm não conseguem voar e caem estateladas  no chão. Ainda rebolam um bocadinho convencidas que conseguem correr. Mas não. Ou ficam paradas nas pedras do passeio para serem chutadas para o canteiro pelos transeuntes ou vão parar ao alcatrão ficando esmagadas debaixo das rodas negras dos automóveis. O vento, aflito ainda corre a tentar levá-las mais para a berma, mas nem sempre consegue.

    Como não posso continuar aqui vou lembrando aquele vento com quem brinquei em menina que me empurrava para eu correr mais depressa, ou vinha de frente para eu não ir para a escola. Zanguei-me com ele quando me levantava as saias dos vestidos e quase me fazia aparecer as cuequinhas. Mas adorava quando me soltava os cabelos e me roubava a boina. Nessa altura eu corria tanto ou mais do que ele e quando estava quase a apanhar aquela marota, ele dava nova sopradela e fugia com ela... A vida é tão linda vivida assim sem preocupação de o amanhã, do logo, do depois...

Um grande chi coração para si, que quis apanhar estas palavras soltas...

Georgina Ferro.


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