domingo, 9 de janeiro de 2022

ERA UM DOMINGO D O MÊS DE JANEIRO JANEIRO

 Era um domingo do mês de Janeiro.


     Nos domingos, não havia trabalhos ao serão. Não se degranava o milho, não se fiava o linho,  nem se fazia meia! Nada disso!... Domingo era dia de descanso.

     O toque das Trindades, ao pôr-do-sol, era antes das seis da tarde. Ora, os serões eram longos. Então, quase todos os domingos de Inverno, se não chovesse, depois do jantar, íamos seroar para casa do tio Eduardo e da tia Palmira.

     Naquela noite havia lua cheia! Não era uma lua cheia qualquer, era uma bola branca, enorme, num céu azul escuro transparente de ar gelado. A geada aumentava o brilho do luar, reflectido nas poças de água vidradas! Nem precisámos de acender a lanterna para o caminho.

     A minha tia ajudou-me a vestir o sobretudo, abotoou-me a touca e ela pôs o xale de lã. Meu tio enfiou a samarra, pôs o chapéu de feltro e esperou que ambas saíssemos para encostar a porta.

       Descemos as escaleiras e queixámo-nos do frio todos quase em simultâneo. A minha tia aconchegou-me a ela  com uma ponta do xale. Eu abracei-a pela cintura e caminhámos agarradinhas uma à outra. 

     Mal chegámos ao portão do curral, meu tio Eduardo assomou à porta e fez-nos entrar. A minha tia Palmira apressou-se a pôr mais umas cepas de giesta e uns  ramos de carqueja para que o lume tivesse labareda viva e aquecesse bem toda a gente.

     Depois das "boas noites" tirámos os agasalhos que dependurámos nos cabides à entrada. 

     Os tios sentaram-se à mesa, com os pés no estrado da braseira onde as brasas espreitavam avermelhadas debaixo de duas pratas (para não se apagarem) . Nós sentámo-nos nas cadeirinhas de verga em volta do lume. A tia tinha feito umas bicas doces e tinha galhetas e bolachas de Navas Frias que pôs na mesa pequena. A mesa pequena era uma mesinha com duas gavetas uma para o talher de uso no dia a dia e a outra para colocar os pratinhos com as sobras de carne cozida do almoço, o queijo... Puxava-se para perto do lume à hora da refeição se só estavam as pessoas da casa. Mas, agora servia de apoio à ceia.  O leite da vaca já estava fervido e bem quentinho no tacho de esmalte sobre a trempe.

Minha tia Maria tinha levado uma "pasta" de chocolate e lascou um tomo para o leite. 

Entretanto  encheram-se as canecas e cada qual pegou na sua e íamos tirando um bolinho . As tias foram também para a mesa grande e vá de baterem uma sueca!...

     Durante o jogo ninguém "piava"! Meu tio Eduardo ia aos arames se ouvia uma palavra ou se alguém tentava fazer sinais. Atirava logo com as cartas. Mas, entre cada jogo, soltava gargalhadas estridentes quando ganhava; ou, dizia pela décima vez, que se não fosse aquela bisca estar seca, sequinha..., não teria perdido de certeza.

    Depois de ganharem e perderem eram horas de voltarmos a casa.  Vestimos os agasalhos! O frio agora ainda era mais gelado!... Atravessámos o Enxido em passos largos.

     O tio foi pôr um pouco de feno à Mimosa, enquanto a tia punha a água da panelinha que deixara ao lume na botija de barro. Enrolou, também,  o meu "rebolinho" e foi levar-me à cama. Pedi a benção aos dois, rezei ao Pai do Céu  e caí na minha enxerga de folhelhos onde adormeci de imediato com as fadas e musas.

Georgina Ferro


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