sexta-feira, 29 de abril de 2011

NO REINO DE POSEIDON

O dia mal amanhecia e o Sol, quase sem se anunciar, invadiu o meu quarto, inundando-o de um calor tépido e de uma luz brilhante e amarelada. Virei-me na cama e escondi os olhos debaixo do lençol. Não queria acordar ainda...
Ouvi uma voz pausada, mas forte, incitando-me a escutá-la. Precisava de me dar um recado!
Olhei em volta. Não vi ninguém... Que voz era aquela?
O Sol percebeu a minha estranheza e esclareceu que era ele próprio que falava comigo.
Ainda devia estar a sonhar, mas, tartamudeando, sempre lhe perguntei de quem era o recado. Respondeu-me que era do Mar, que queria falar comigo. Só para me livrar dele e poder voltar a adormecer, respondi-lhe , resignado e incrédulo, que iria mais logo falar então com o mar.
O sol, cumprida a sua missão, foi-se afastando lentamente por trás de uma nuvem...
Numa leve modorra, aconcheguei-me sob a manta da cama preparando-me para voltar a dormir mais um pouco...
Levantou-se então uma inesperada ventania que abriu de par em par a janela que eu tinha deixado mal fechada...
Irritado e a contragosto, levantei-me e dirigi-me à janela para a fechar. O Vento silvou mais forte e vociferou que tinha um importante recado para me dar. Disse-lhe que já sabia o que era. Que o mar queria falar comigo...
Lacónico, o Vento, admirado com a minha perspicácia, confirmou que realmente era isso que tinha para me dizer... Acalmou e desapareceu...
Preocupado com a minha sanidade mental já não voltei para a cama, ainda sem perceber bem o que se tinha passado...
Vesti-me e resolvi ir até à praia que fica perto da minha casa. Caminhei pela areia e observei o oceano, de um azul esverdeado que sempre me encantou. Não acreditava que o mar falasse comigo. Tudo aquilo que se tinha passado momentos antes em minha casa não podia ser mais do que imaginação...Ainda bem. Afinal eu não estava maluco...
Rodei na areia com a intenção de regressar, ainda absorto nestes pensamentos, quando por entre o marulhar das ondas ouço o Mar dizer-me que precisava de desabafar comigo.
Virei a cabeça e juro que me pareceu ver a sua boca abrir-se entre a rebentação de duas ondas, enquanto prosseguia a sua conversa.
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- Obrigado por teres vindo - agradeceu o Oceano Atlântico.
- Eu sou, como sabes, o segundo maior e mais importante dos oceanos, logo a seguir ao Pacífico. Banho centenas de ilhas, formo um sem número de Baías, Golfos e Enseadas. As minhas águas alimentam inúmeros seres vivos que delas dependem. Nunca nenhum desses seres me fez mal, sempre me trataram bem...
Mas hoje eu enfrento o mais temível, letal, ardiloso, cruel, insano e destrutivo de todos os meus inimigos desde o início dos tempos: o homem.
Ele arrasa e queima as florestas, derruba as matas, assoreia, obstrui, represa, seca e por fim mata as minhas artérias e veias, que são os rios.
Polui a atmosfera, destrói a camada de ozono, derrete a calota polar, fazendo subir o nível das minhas águas e as dos outros oceanos.
Despeja nas minhas margens os seus restos e os seus dejectos.
Vai-me matando aos poucos...A mim e aos seres que eu acolho no meu seio...
Podia, se quisesse, enfurecer-me e destruir o homem antes que ele me destrua a mim, como tu sabes.
Mas não quero! Prefiro ainda acreditar que podemos ambos viver em harmonia...
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E dito isto, o oceano, numa atitude de grandeza, apascentou as suas ondas e a mais doce das suas marés veio até onde eu estava e lambeu-me os pés nus com infinita ternura. Mostrando-me como ele pode ser doce e meigo apesar da vastidão do seu tamanho e da força invencível das suas águas...
- Que posso eu fazer? - perguntei-lhe...
- Conta o que te disse! Não te omitas! Esta destruição incontrolável da natureza tem que acabar!
- Denuncia! Se apenas um dos teus amigos ler esta conversa, terá valido a pena. Cada amigo teu deve ter outro amigo...
Olhei-o fixamente e depois de alguns segundos disse-lhe:
- Muito bem, convenceste-me. Vou contar esta inacreditável  conversa.

A grande maioria vai achar que enlouqueci de vez... Mas haverá alguns, mesmo que sejam poucos, que acreditarão...

Rui Felício

13 comentários:

  1. Quem sou eu para duvidar de tão doutas palavras?!
    O Sol e o Mar alertando para uma situação real.
    Denunciaste, tal como o solicitado.
    Por omissão, muitas vezes se peca!
    Lindo texto, Rui.

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  2. Imperdoável seria não contares o que se passou.
    Abre aço!

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  3. Porque havia de não acreditar?
    O Mar até te deixou esta bela pérola que partilhaste conosco...

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  4. Não me admira. O "Oceano" sabe bem que quando se defende uma boa causa, arranja-se um bom advogado. Mas expões muito bem... e só não pûs pontos de admiração porque tenho lido os teus artigos. De escrita diferente mas muito profundo. Simplesmente, obrigado.

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  5. É um texto que li com muita atenção, pausadamente, posso dizer mesmo que saboreei parágrafo por parágrafo!
    à mesida que ia lendo,ia também pensando qual a surpresa que estaria reservada para a parte final e que estivesse relacionada com o Reino de
    Poisedon!
    A conversa com o mar levou-me a supor que iria aparecer uma sereia encantada, mas mais umas linhas e logo percebi que a coisa era mesmo séria!
    O tom de voz do mar não enganava!
    Estava revoltado com o HOMEM
    E tinha razão!
    Despejou tudo o que lhe ia na alma ou por outra nas ondas, dos malefícios que o Homem ao longo dos tempos tem feito e que o vai matando aos poucos!
    Foi generoso e meigo contigo, Rui na esperança que o possas ajudar dando a conhecer aos teus amigos as palavras que te dirigiu...
    Mas para mim, Rui o HOMEM JÁ NÃO TEM EMENDA!!!

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  6. Haverá, certamente, muitas formas de apontar o dedo a uma realidade crua. De forma figurada, com uma prosa bela e certeira, o Rui Felício apresenta ao leitor um encadeado de acontecimentos que termina com o apelo do Mar, contra as agressões do Homem. A presevação da Natureza é um assunto prioritário, para qualquer cidadão que se honra da sua cidadania.Gostei de ler. Muito bem concebida a forma de abordar este tema. Abraço.

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  7. Pego nas tuas últimas palavras para te dizer que não, não enlouqueceste, loucos estão todos os deuses menores desta civilização que fazem embarcar o homem na loucura da sua autodestruição através de mecanismos de ganância desmedida, no atropelo de tudo e todos atrás da vã e efémera glória da acumulação e do poder.

    A natureza vai dando os seus sinais mas o homem indiferente caminha cego para o seu Holocausto.

    Estamos num momento de grandes incertezas, de encruzilhadas plenas de opções difíceis e em que se adivinham profundas transformações que levarão o homem a novas formas de estar e viver. Os vindouros saberão a que preço…

    Por isso, meu amigo, gostei da forma como construíste este texto. Considero-o muito oportuno, ao teres posto a falar esse velho deus do mar, numa chamada de atenção para a forma irresponsável como tratamos este planeta que é a casa e o abrigo da humanidade.

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  8. Venho da praia por onde passeei e olhei o mar. Falei com ele e disse-lhe que acreditaram em mim mais amigos do que eu esperava...

    Pareceu-me sorrir, ainda esperançado numa mudança de atitude do Homem,para que não lhe aconteça aquilo que já aconteceu ao seu irmão Mediterrâneo,espécie de vasadouro que o tornou foco de doenças, caminhando para se tornar um segundo Mar Morto de onde em pouco tempo a vida desaparecerá...

    Mas também me disse que, não obstante essa esperança,receava que o meu amigo Rafael tivesse razão.

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  9. O nosso "pinga-amor" na sua plenitude!
    Ele ama a Natureza, o parvo!

    Rui Felício, soberbo este teu texto. Mais do que o texto, o pensamento...

    Mas, não tenhas qualquer dúvida, não te iludas para nos tentar encorajar na ilusão, o Rafael está cheio de razão.

    O ser humano, o tal que é o único ser racional, é uma besta animal irracional.
    Perdoa-me a rudeza. Não sei dizer isto de outra forma.

    Aquele abraço.

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  10. E eu, que desde sempre assumi ser "anticéptico", sou o maior céptico que por aí há.

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  11. MARIA TERESA LOUSADAmaio 01, 2011 3:58 da tarde

    Sinto que é quase desesperado o pedido que o mar te faz, antecipando e adivinhando desde logo que poucos acreditariam em ti e muito menos te ouviriam....
    É pena!!!!!
    Eu que falo com ele tantas vezes...acredito!
    E quem sabe se daqui a alguns dias quando o fôr visitar, em agradecimento, ele não me envolve nas suas ondas com uma ternura diferente?!!!

    Muito bem escrito e muito bonito este teu texto Rui!

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  12. Conversa ondulante e credível...Bravo seu romantico escritor da Ericeira!

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