O PAI BATEU-ME
O pai bateu-me.
A carrinha do colégio parou à porta do meu prédio. O Senhor António disse-me adeus, a sorrir. Gosto do Sr. António.
— A mãezinha está em casa, Sr.ª Eduarda?
A Sr.ª Eduarda aparece à porta da casinha dela, que é casinha de porteira.
— Não a senti sair, menino…
Subi os degraus a dois e dois. A mãe estava em casa!… Ainda bem. Tinha tantas coisas para lhe contar!… A senhora professora, no colégio, falou nela e disse coisas muito bonitas à cerca do que ela escreve… como a mãe é inteligente…
Abri a porta com a chave que a mãe me ofereceu quando eu fiz sete anos. Já era um senhor e já podia entrar em casa, mesmo que não estivesse lá ninguém. Já não precisava de ir para a casinha da Sr.ª Eduarda até a mãe chegar…
— Não batas com a porta, Zé Alexandre!
Só lhe via a cabeça, depois, eram as costas do sofá.
— Desculpe, paizinho…
Cheguei-me a ele e beijei-o na cara. A barba picou-me. E ele nem sequer me olhou.
Corri à cozinha. A mãe não estava lá. Fui ao quarto dos pais. A mãe não estava lá.
— A mãezinha não está?
— Não!
Disse-o secamente, sem desviar os olhos do jornal. Parecia zangado.
— Mas a Sr.ª Eduarda disse…
— Não interessa o que a porteira disse!
Estava zangado. Agora, eu sabia que ele estava zangado.
Sempre agarrado à pasta dos livros, fui para o meu quarto. A mãe não estava. Teria ido fazer alguma compra? Pousei a pasta em cima da cama.
Na salinha, o pai continuava a ler o jornal.
Sentei-me na sua frente, a olhá-lo.
— A mãezinha foi às compras?
— Não sei!
Porque será que o pai me mete medo? Nunca senti este receio da mãe. E, hoje, ele está zangado.
— A mãezinha demorar-se-à muito?
Ele tirou os olhos do jornal e fixou-os em mim. A barba por fazer dava-lhe aspecto de mais velho. Parecia o avô. E via-se bem que não estava contente.
Não me respondeu. Depois de me fixar, voltou a atenção para o diário e ficou assim. E eu ali, solitário. Não sabia que fazer. Mexia-me e remexia-me no "maple" inquieto por nada saber do que acontecera à mãe.
— Pára quieto, Zé Alexandre!
Fiquei na posição em que a frase me surpreendeu. Não tive coragem para mexer nem um dedo da mão. E cansei-me de respiração suspensa. Não podia mais. De mansinho, levantei-me e fui para o meu quarto.
Que teria acontecido? Eu já tinha percebido que a mãe e o pai, nos últimos tempos, discutiam muito. E se se zangaram? E se a mãe se foi embora? Não! A mãe não se ia embora sem mim. Iria? Quem era aquele homem que ia com a mãe no carro, no outro dia, quando eu e o Sr.ª António e os outros meninos, passámos por eles?
— Zé Alexandre!
Corri para a porta do meu quarto e espreitei. O pai tinha pousado o jornal e olhava para mim, muito sério.
— Sim, paizinho…
— Veste o casaco que vamos jantar fora…
O coração deu-me um pulo. Íamos ter com a mãe…
— Vamos ter com a mãezinha?…
— Não fales mais na tua mãe!
Não falar mais na mãe… Não falar mais na mãe… Não falar mais na mãe!
— Mas eu quero a mãezinha!
E o pai bateu-me.
As lágrimas de dor da bofetada, misturaram-se com as lágrimas de saudade da mãe…
E o pai bateu-me.
7 de Janeiro de 1971
Ilustração de Agustín Casillas, Escultor Espanhol de Salamanca,