É ali, naquela varanda do Largo do Adro, que desfio mais um
rosário de memórias. Quanta saudade, quanta emoção, ao olhar aquela calçada
estreita de pedras alvas e o casario branco e atarracado de terraços geométricos
e singelos.
Venham comigo. Desçamos a rua e ali, naquela velha porta de
madeira, batamos. Lá dentro, sentado num banco, está o António Maluco. Nasceu
em Lagos e mora em Lagos. Do mar vive. Com o oceano casou, quando ficou sozinho,
no dia em que a mulher partiu, para a longa viagem do Eterno. Agora, é o mar e
apenas o mar a sua paixão. E o seu sustento. A camisa preta que nunca larga, é
o espelho baço do seu estado de alma. E o cigarro pendente dos lábios, o fiel
companheiro. Vergado sobre a grossa agulha, vai remendando as redes, com que há
- de voltar à faina. O António Maluco, é homem de poucas falas. Tem uma voz
gutural e embrulhada, que lhe sai dos lábios aos soluços. Desde os verdes anos,
que carrega aos ombros o nome de Maluco. É assim que lhe chama o povo. Mas, na
realidade, ele é Pacheco. António Pacheco. Porém, valha a verdade, pouco se
importa. Maluco, é a sua coroa de glória. Relembra os dias de juventude, quando
jogava a bola nos campos da atalaia e a peleja acabava sempre em zaragata. O
Pacheco tinha mau perder e seu feitio travesso, valeram-lhe o distinto nome.
Agora, que a vida se aproxima do cais, tem apenas como adversário o mar. Mas é
uma história de amor. Mesmo nos dias revoltos, a casca de noz onde se aventura
para colher o sustento, está como que abençoada por Éolo. A brisa, por vezes
forte, que substitui a calmaria, sempre o empurrou para um porto de abrigo. Também
a fé, materializada numa imagem de Nossa Senhora de Fátima, que daqui vejo em
cima de um armário da sombria e acanhada cozinha.
Partamos e deixemos o António Maluco a remendar as malhas do
seu Destino. Reparem como o seu rosto se ilumina num sorriso magoado, agora que
vamos partir. Registem como nos tira o boné de forma educada, em jeito de
cordialidade e cortesia.
Porque o António Maluco, também se chama Pacheco e transporta
nas veias a sensibilidade e os acordes de quem dedilha, com os dedos macerados,
a harpa dourada da sinfonia dos heróis.
Quito Pereira