sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

OS SONHOS A PRETO E BRANCO ...




Diz António Gedeão, que o sonho comanda a vida. Será. Na primavera da existência, todos sonhamos. É quando o sol nasce e nós temos a ilusão que é para todos. Não é.

Vem isto a propósito de algum desencanto que pressinto nas palavras do nosso amigo Carlos Viana. O sonho esbarrou na dentadura do cantor, pela pena do Rui Felício. Afinal, a tal metáfora que traduzirá o desalento dos ideais sonhados e das realidades cruas da vida.

Já percorri algum mundo. Vivo sitiado dentro de mim, balançando entre o bulício citadino e a realidade campesina. Aqui, de onde vos falo neste monólogo pardo, vejo-me rodeado de montanhas. Lá fora, está uma temperatura agreste, mas um sol clamoroso. É a neve na Serra da Estrela, vestida de branco da cabeça aos pés, que transporta esta aragem fria, que me faz resguardar o pescoço na gola do casaco.

Por aqui, os sonhos também comandaram a vida. Tal como hoje, os campesinos partiram de mala na mão, o saco da merenda atado com uma guita e os filhos pela mão. A França ou a Suiça, eram os locais de peregrinação, na esperança de uma vida melhor.

Hoje, cansados e refletindo  no rosto o desencanto, muitos voltaram. Regressam velhos e tristes. E até desiludidos.

Dos que ficaram, muitos faziam do Café ou da Farmácia da aldeia, o ponto de encontro das conversas. Sentados em semicírculo, falavam da lavoura e da vida. Era a tertúlia campesina, que eu ouvia em silêncio e que me preenchia horas de meditação. Muitos, para não dizer todos, já partiram. Esfumaram-se os sonhos. Esfumou-se a vida.

Quando já caminhamos para poente, o sonho é uma utopia. É quando já nos anulamos a nós próprios e transportamos os nossos sonhos desfeitos para os filhos e os netos. A vontade que temos de os ver singrar nesta arena competitiva, impotentes que nos sentimos de os proteger das pancadas da vida e de uma sociedade cruel e destrutiva. Vamos amparando da retaguarda, como farol vigilante das tempestades do mar.

Os sonhos esbarram na realidade. E o cheiro acre da decadência e da desilusão, percorre o meu quotidiano beirão vários dias por semana. Conviver com idosos, gente que um dia conhecemos no pleno vigor da vida e que agora se arrasta como quem já caminha para o infinito.

Muitos haverá, a quem as portas da vida se abriram a batentes de ouro, no prosar de Eça. Mas o Tempo, na sua inexorável caminhada, se encarregará de diluir as esperanças. E no fim, filtrada que foi a vida e diluída na proveta das emoções, percebemos que o resultado final dos reagentes com que sonhámos para compor a acordes de violino uma melodia Divina, mais não é que um requiem de utopia.
Quito Pereira    

17 comentários:

  1. Queixo me de mim próprio, por ter dado o mote à melancolia que se apoderou do Viana, primeiro e do Quito agora.
    Valha-me ao menos o prazer de ler a excelenet prosa do Quito, que essa não fenece, antes vibra cada vez mais pujante, mesmo quando serve para nos lembrar que as ilusões e os sonhos vão desaparecendo com o tempo.

    Quando caminhamos para poente, o sonho é uma utopia.
    Que melhor sintese do que esta que o Quito escreveu?

    Mas a utopia é o sal da vida, digo eu, e não morreremos enquanto a alimentarmos.

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  2. Melancólico quem não anda? Só se fosse resignado e comodista.
    Os sonhos alimentaram-nos ao longo da vida e não é agora no final,no poente,que não os deixamos fenecer...
    Dou-lhes alimento suficiente e a utopia é também um móbil para desencadear uma meta de felicidade ou de de estado moderado de felicidade( que suponho ninguém sabe o que é) até "morrermos de pé"!
    Sou contra o requiem da utopia,Quito.
    Mas digo-te uma verdade gostei do teu texto...uma temática interessante e diferente do que nos habituaste.
    Continua a supreender-nos!

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  3. Será utópico pensar-se que o sonho é realizável?
    Por outras palavras, será que o sonho não passa de uma utopia gravada em papel dourado?
    Respondo categoricamente que o sonho pode esbarrar nas mais diversas barreiras mas a utopia ultrapassará todos os muros e fronteiras.
    A grande diferença está no facto de o sonho ser um acto isolado, quase solitário. Mas, quando aqueles que têm esse sonho, tarde ou cedo, conseguirem abraçar muitos e muitos mais, então o sonho deixa de ser utópico porque aquilo que hoje é mera utopia deixará de o ser amanhã.
    E é bem verdade que o sol nasce diáriamente para todos nós, não deixando de ser verdade que alguns, com a sua soberba, egoísmo e poder já alcançado, só quererão manter os outros na sombra.
    Quando caminhamos para poente, o sonho parece-nos mais distante, portanto, mais utópico. Mas deixará de o ser quando olhamos para trás de nós e vemos que deixamos um rasto aberto para continuar a busca do sonho que é, afinal, alcançável.
    A utopia é, de facto, o sal da vida.
    Chego a ter dó dos opulentes donos do sol que nunca conheceram, nem conhecerão, esse sabor da vida.

    Ola Quito e Felício, pró que nos havia de dar...
    Aquele abraço.

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    1. Em tempo: com a Linda Olinda a ajudar à "missa"...

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    2. ah,já estava a ficar má como as cobras,Carlos....
      Sei que sou muito sintética e nada elaborada como Vossas Excelências mas todos temos que ser ouvidos,compreendidos ou não,porque as minorias têm os mesmos direitos embora continue a lutar-se por esta valorosa utopia!
      Bem também sou mulher mas da mesma forma lá estava a injustiça a imperar.
      Como te conheço bem e te estimo ainda mais toma lá um beijinho.

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  4. Sinceramente que não sei que escrever perante o que leio no texto da postagem e depois nos comentários!!!
    Não tenho "cabedal" literário para vos acompanhar!!
    Já baralho tudo!Utópico, realidade, sonho, poente, eu sei lá!.

    Mas caraças, virem lá para o positivismo, mesmo POSITIVISMO!

    Vá, este dia está quase a passar, a onda negativa também vai desaparecer...e um texto de optimismo está ao dobrar da esquina!
    OK?

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  5. Concordo que a utopia é o sal da vida. Como concordo que este texto tem o seu lado negro. O lado mais simpático são as vossas opiniões. A frase do Felício, referindo-se ao sal da vida, é lapidar. O longo prosar do Carlos Viana, como sempre muito bem articulado no seu pensamento, será talvez um pouco de Quixotesco. Afinal, um pensamento comum a muitos de nós, quando tentamos remar contra o inevitável. Faz parte da nossa vertente humana. e ainda bem que é assim. A Maria Olinda no seu jeito arrebatado de quem vive com paixão, sentiu o texto à sua maneira e mobilizou as suas armas contra ele. Ao contrário do que a Olinda poderá pensar, apreciei a sua faceta lutadora.

    Mas o texto, reflete o meu pensamento. Talvez por isso eu não simpatize de todo, com a palavra inevitável.

    Um abraço a ambos os três ...

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  6. Enquanto eu fazia o último comentário, apareceu o Fernando Rafael. Pois que se faça a sua vontade, Viremos para o lado brilhante da Lua, Se bem me entendes Rafael, já oiço um galo a cantar.
    Toma lá um abraço ...

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    1. É isso mesmo Quito! Tem toda a "cabidela" virar para o lado da Lua crescente a caminho da cheia de vida sorridente!
      Enquanto o galo cantar não há cabidela para tristezas!!! Desta vez vais ver que quando o galo deixar de cantar, cantemos nós! As Janeiras. Não à noite mas ao meio dia!!!

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  7. Com coisa tão alta de empenho eu digo simplesmente«mais vale todavia nunca do que 2 em comparação jamais».

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  8. Depois de tudo o que foi escrito, eu estou como o Rafael: não tenho cabedal para vos acompanhar.
    Também quero um abraço teu, Quito, e, para os outros intervenientes, um abraço amigo da

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  9. Adoro ler textos destes escritos pelo Quito e os respectivos comentários, mesmo tristes. Que maravilha.
    Só que depois da tempestade vem a bonança e essa estou crente que não será utópica.

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  10. Ainda venho a tempo de vir aqui dar-te um abraço, Francisco. Não é utópico. É real,apesar de virtual por cima do Atlântico ...

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    1. Tens razão, Quito. Nem tinha notado que daqui é virtual mas aí vai ser bem real, não tenho dúvidas.
      Um abraço
      Francisco

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  11. Como eu gostaria de acreditar na utopia!
    Sonhar e acordar envolta em magia.

    Afinal, alegria
    rima com nostalgia...

    Agita-se a proveta
    e, ora dá curva
    ora dá reta!

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