UM TURISTA NA CIDADE …
Entro com o carro para um terreiro amplo em terra batida,
junto à muralha da cidade. Um homem novo, de aspeto descuidado e barba grande,
vai - me chamando numa espécie de mímica estudada. As mãos movem-se como
marionetas e indica - me um lugar para estacionar naquele mar de automóveis,
enquanto percorre o caminho poeirento em passada rápida à frente do carro. Guio
devagar, com a cautela de não o atropelar, até que ele com um gesto imperativo,
aponta – me com um dedo sujo que o meu lugar é ali. Estaciono e ele afasta – se
de mãos atrás das costas, como que alheio ao serviço que me acaba de prestar,
até acudir ao meu chamamento. De palma da mão aberta agradece a moeda que lhe
ofereço. Depois faz uma vénia, abre a boca num sorriso desdentado e regressa ao
ponto de partida na procura de outro freguês.
Saio do parque de estacionamento e desço a Rua Infante de
Sagres. Do lado esquerdo, ao cimo da rua, está o café do Zé Manel. Vejo-o
aparecer à porta, a mão esquerda bem aberta onde repousa uma bandeja em
alumínio com vários copos de sumo de laranja, sandes de fiambre e guardanapos
de papel artisticamente colocados, porque os olhos também comem, na perspetiva
do freguês. Agita – se a esplanada com a chegada do festim e os jovens sentados
nas cadeiras a gozar o sol algarvio, de imediato se lançam no repasto. O Zé
Manel, em passo apressado, retira-se para o interior do estabelecimento. Pelo
canto do olho adivinho-lhe a face tensa, o que me faz pensar que hoje está de mau
humor. Não entro e sigo viagem. Desço o empedrado escorregadio da calçada de
tanto já ter sido calcorreada, e desaguo com um magote de gente na Praça Gil
Eanes, como se fossemos despejados ali por um funil.
Lá adiante o local é mais
airoso, até chegarmos junto da estátua de Dom Sebastião, uma espécie de
sentinela daquele espaço. Mas o rei não está sozinho. No seu pedestal,
sentam-se reformados e turistas. Outros, de longe, vão tirando fotografias,
enquanto um grupo de quatro polícias encostados a uma carrinha azul, vai
olhando a multidão, vigilantes de qualquer roubo ou desacato.
Sigo agora rumo à Avenida dos Descobrimentos. Nos bancos de
madeira muita gente sentada. Um carrossel debita música infantil, enquanto
leões, tigres e girafas sorridentes, vão subindo e descendo lentamente em
montanha russa aos caprichos daquele circo de fantasia, o êxtase da criançada.
Olho o canal. Pequenos barcos de recreio cruzam-se na azáfama
de levar os turistas a visitar a Ponta da Piedade e as suas grutas. O seu
navegar provoca uma pequena ondulação, que vai batendo devagar contra as
paredes lodosas daquele estreito braço de mar, com a indiferença dos
caranguejos que se passeiam sobre as rochas na procura do alimento necessário.
Lá mais à frente, todos em molhe, estacionamos à ditadura da
ponte levadiça. Um barco de mastro alto vai passar e a ponte abre as mandibulas
num avisar sonoro. Uma procissão de veraneantes, de um lado e do outro, espera
que a ponte lhes dê de novo acesso aos seus destinos. O barco passa silencioso.
Uma mulher esbelta, na proa da embarcação, exibe o seu corpo cor de chocolate,
recostada numa cadeira. Lá atrás, um homem de óculos escuros e boné branco a
descair para os olhos, conduz descontraído a embarcação de luxo. A bandeira
espanhola a drapejar na ré, faz suspeitar que o veleiro é do país vizinho. Ele,
o negro já de cabelo branco, que pela sua aparência modesta se percebe que a existência
lhe é dura, segura a sua bicicleta com a mão esquerda, enquanto acena ao barco
com a mão direita, com um sorriso prazenteiro. Afinal, a saudação ingénua de
quem nunca teve quaisquer ilusões ou esperanças na sua magra vida de
assalariado.
A ponte fecha-se e os dois tabuleiros abraçam-se com
estrondo. Recomeça a vida e o cruzar de destinos. Sento-me no Café Amuras, a observar
os barcos na Marina. Olho os que chegam e os que partem. Leio distraidamente as
notícias do jornal numa espécie de ritual que já me cansa.
Logo, mais logo, farei o sentido inverso na busca do meu carro. E talvez pare no Café do Zé Manel, pode ser que ele esteja bem - disposto e não me torre a paciência com o seu respeitável problema da diabetes.
Logo, mais logo, farei o sentido inverso na busca do meu carro. E talvez pare no Café do Zé Manel, pode ser que ele esteja bem - disposto e não me torre a paciência com o seu respeitável problema da diabetes.
Quito Pereira
Hoje, por artes mágicas, tive NET. Fica mais uma colaboração para o teu blogue, Rafael. Sei que é mais do mesmo, mas é o que tenho para oferecer ao EG.
ResponderEliminarContinuo cá por baixo,satisfazendo a tua dúvida. Está-se bem por aqui. Mar calmo e água a 24 graus, pelo que me dizem. Mas já fiz a minha missão de ir à praia. O que se faz por um neto !
Agora vejo o mar da esplanada do "António", a beber um Martini com gelo, a ver os banhistas carregados de chapéus de Sol, cadeiras e toalhas ao pescoço com um ar muito "feliz", a suar em bica. Como diz um amigo nosso: " aquilo é que são férias" ...
Já dei para aquela penitência ...
Abraço amigo Rafael
Agora não vou abordar o que escreveste...
ResponderEliminarMas fizeste muito bem em teres chegado a acordo co o computador, aceitando as sus reevindicações!!
A postagem saiu um parto perfeito!
Mas deixa que te diga que estás a abusar com o tempo de férias!
O que trabalhas durante o ano não te dá direito a tantos dias de boa vida. Não te desculpes com o Miguelito porque o trabalhito que ele dá é "um prazer"!
Vá, não podes passar do 31 de Agosto!
Abraço e beijo para a São!
Já lá vai o tempo em que eu olhava para o relógio e o calendário. Agora vingo-me destas duas grilhetas que me condicionavam a vida. Agora mando eu! Só saio daqui quando me apetecer e começar a lembrar-me demasiado dos almoços do Samambaia. Espero que me representes condignamente nos almoços domingueiros, vestindo o teu fato de gala. Vou treinando no Café do Zé Manel, aqui em Lagos, que me chateia a cabeça por causa da diabetes, enquanto vai mamando um pastel de nata. O que mais me chateia é que o gaijo enfarda doces e eu é que engordo. Uma injustiça !
ResponderEliminarSegundo vi num jornal, se o campeonato acabasse hoje estávamos de malas aviadas para a terceira ! Parece que o JES foi internado nos HUC porque não consegue parar de rir. Pelo menos é o dizem !!!
Toma lá um abraço
Pois agora não é o relógio e o calendário que te comanda a vida, agora é capaz de ser o Miguelito que marca a hora! Avõ vamos à água, ou a São, olha lá Quito cuidado que o menino está ao sol, são horas do almoço, etc,etc!
EliminarÉ tanto assim que nem dás que o tempo passa a correr...
Nem o jornal consegues ler...
Representar nos almoços? Mas só estás a contar de regressares lá pelo Natal?
Estou mesmo a ver que ainda dá para postares mais um texto! Lagos é uma fonte inesgotável de assuntos pitorescos para nos deliciares!
Quanto à Briosa só te digo que me sinto limitado nos meus comentários depois dos brilharetes que tem conseguido, pois sinto-me comprometido por causa das fotos e vídeos da promoção...
Na próxima segunda-feira contra o Gil Vicente é prova real:ou ganha e a esperança renasce, ou tem desaire e é "Deus m´acuda! Mas não é para vencer!
Abraço
Ai a virgula que falta que faz no sítio certo.
EliminarRepito: Mas não, é para vencer!
Ah, bom!
EliminarQuito, eu até fui capaz de "ver" a tua cara e a do Zé Manel. Um, que "Pelo canto do olho adivinho-lhe a face tensa, o que me faz pensar que hoje está de mau humor"; outro, "...enquanto vai mamando um pastel de nata..."
ResponderEliminarTu até consegues descrever como é esse teu caminhar, quando, sorrateiramente, não entras no Café do Zé Manel. rssss
Muito bom.
Até eu Chama a Mamãe estou a ver a cara dos dois! O Zé Manel lambuzado com os pasteis e tu com cara de enjoado só de olhar para ele! Por isso o Quito escolhe o momento certo para passar à porta do estabelecimento...
ResponderEliminarrssss
Errata: está "e tu", deve estar "e o Quito"
ResponderEliminarMais um texto aonde tive o previlégio de acompanhar o Quito que me pôs frente aos problemas do dia a dia.
ResponderEliminarSem dúvidas que foi um avolumar de situações diferentes que ia vendo enquanto lendo, passando entre outras pelos animais sorridentes do carrossel assim como à diferença social entre o proprietário de um barco de recreio e o assalariado. Foi todo um filme a passar pelo meu cérebro.
Não posso dizer que foi inspiração do neto mas talvez lá esteja por qualquer coisa.
Bem hajam as férias que dão postagens destas.