É histórica e conhecida uma certa gabarolice portuguesa e uma
verborreia que entra em nossa casa todos os dias pelos canais de televisão.
Alguns que por aí andam, com a sua queda para “troca – tintas” do que agora é
verdade amanhã é mentira, até conseguem trepar numa sociedade pouca dada a
valores e mais interessada no mediatismo das páginas pagas a peso de ouro das
revistas cor – de - rosa, onde trafulhas
de mil expedientes, metem ao bolso os seus direitos de imagem e aparecem em
jantares em praias do sul, rodeados por gente de risos de plástico, que mais
não são que um rancho de falidos e falidas. Nem tudo o que luz é ouro.
Mas onde vou eu parar nesta minha incontinência verbal ?
Estou aflito, incapaz de desfazer este nó. De onde me vem esta estória da
gabarolice enquanto vou olhando ao longe o mar profundo?
Bem, com esforço, lá me lembro. Vem de um texto que estive a
refletir de António Lobo Antunes. Convivemos com um passado povoado de heróis anónimos.
Em África, tivemos soldados e soldadesca. Soldados destemidos, capazes de fazer
peito às balas, a varrer a bolanha a rajadas de metralhadora, na defesa da sua
própria vida. Depois os outros, a soldadesca, a fugir da picadela de um
mosquito e que gostavam de exibir os seus dotes de machos latinos mal
resolvidos. Dos que na penumbra das casernas, se gabavam das suas aventuras com
mulheres africanas. Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto, sábia
constatação popular. Ao longo de vinte e oito longos meses de entrar e a sair
da tabanca junto à minha base militar no mato, nunca vi nada de anormal. Só
ouvia da boca desses taratas brejeiros, cantigas de maldizer.
Nos fins de tarde, eu visitava os meus soldados africanos e
suas famílias, onde falávamos em clima fraterno das coisas da vida. Por vezes,
deambulando por lá despreocupadamente com o meu cão, eu via por detrás das
esteiras, mulheres desnudadas a tomar banho no seu asseio diário e, quando me
pressentiam, escondiam o corpo num pudor natural e compreensível.
Hoje, António Lobo Antunes e a sua escrita, fez - me
refletir. Falava de um tal Rei de apelido, a quem na Base chamavam “Reizinho”,
que chorava de pavor de ter que integrar uma qualquer missão, fazendo-se incapaz
e doente. Mas já no quartel, usava as suas artes manhosas para vender mercadoria
barata que trouxera do continente, na esperança de ganhar mais uns cobres. Um
farsante. Talvez mais um a engrossar as fileiras da soldadesca, a cair de
costas aterrada ao bafo metálico de um canhão.
Porém, há que repor a verdade dos factos. De sacudir de uma
vez por todas essa inverdade histórica, de que a África dos tempos de guerra,
era um gigantesco bordel da soldadesca portuguesa. O anátema de que a mulher
africana não tinha a sua dignidade própria. Sempre a teve. Eram mulheres com outras
formas de estar no feminino, nas suas tradições, no seu trajar, na sua
religião. Iguais à mulher europeia ou de outros continentes e costumes. Se
ficaram filhos em África de soldadesca que se cruzou com africanas? Sim,
sabemos que ficaram. Mas são casos pontuais, em que a generalização ofende.
Elas, no seu papel de mães solteiras, assumiram criar os filhos que geraram no
seu ventre. Eles, alguns deles, com a gabarolice dos covardes, partiram sem
deixar rasto nem responsabilidades.
Por isso, mas noutra escala, olhando o circo mediático que foram
as eleições autárquicas, com alguns atores manhosos e pouco recomendáveis com
roupagens de candidatos, faz - me lembrar a soldadesca nos embustes e no ardil com
que enganavam as vitimas, nestes casos os incautos eleitores. A gabarolice foi
ontem como é hoje, uma instituição nacional. Tenhamos paciência. São os custos
que temos de suportar dos oportunistas da democracia.
Quito Pereira
Boa abordagem das cantigas de maldizer, mas fica também o bem dizer com que desmascaras as personagens que entram nas primeiras.
ResponderEliminarSão verdades que o cidadão comum assume que são reais e que nos diversos dominios, seja da vida social e mesmo na política aparecem exemplos nada digificantes.
É a vida, como diria alguém!
Realce para a defesa das Mariemas africanas. Claro que têm a sua dignidade como as mulheres de qualquer outra parte do mundo!
Mas não valia espreitar atrás das esteiras!...ou valia?
Mais um texto do Quito que li e reli várias vezes. Para mim a fanfarronadas não são exclusivamente portuguesas mas sim espalhadas por todo o mundo. Haja grupos de homem ou mulheres e elas aparecem. Basta fazermos parte de um grupo de caçadores ou pescadores e rápidamente nos apercebemos do fenómeno.
ResponderEliminarNo que respeita aos falsos herois que se vangloriavam de tudo e de nada, vi alguns mas também nunca os vi fazer nada como o Quito diz. Era só paleio pois para se ser herói é preciso o momento exacto que raramente se depara. Quanto à dignidade da mulher africana, sem dúvidas que eram púdicas como qualquer outra mulher por esse mundo fora só que por vezes havia o problema de certos regionalismos.
Não conheço a vivência da Guiné mas Moçambique que era muito grande e díspare socialmente, levou a certos abusos neste campo pois havia zonas aonde os pais vendiam as filhas à melhor oferta. Escusado será dizer que houve uns raríssimos civis que jamais lá deviam ter posto os pés. Os militares nisto não por vários motivos lógicos.
Já aqui disse no passado que para se conhecer uma região deve-se lá viver uns dez anos, assim como disse que nem tudo foi colonialismo como certas demagogias fizeram acreditar a quem não conhecia a realidade mas no que houve, deve-se dizer.
A sociedade era matriarcal mas em certas zonas cohabitava na mesma casa com a poligamia, o que ainda hoje não compreendo mas nem por isso deixavam de ser púdicas pois recatavamp-se.
Isto define-nos bastante bem os regionalismos em certos campos que não estamos habituados.
Havia o problema da prostituição mas isso hoje está ainda de longe muito pior como em todo o mundo. Falo da prostituição simples e não das acompanhantes como hoje se usa muito.
Quanto aos oportunistas da democracia, nem nos governos dos diversos níveis nem na oposição acredito. A oposição é sempre contra salvo raríssimas excepções e os do governo na oposição apresentaríam a mesma actuação. Como sempre só nos mostram o que querem. O ideal é um pessoa conduzir-se pela diferença entre o bem e o mal.
Gostei deste texto porque o Quito apresenta-nos uma série de situações interligadas mas diferentes.
Chico gostei deste teu texto/comentário!
EliminarGabarolices aparte, deu para apreciar os comportamentos dos humanos nas mais diversas situações.
ResponderEliminarGosto de ler o que nos transmites!
Estive em Cabinda como oficial de reconhecimento até 1972. No fim da comissão chegou lá um batalhão de que fazia parte o José Manuel André, de Monte Real que tem dois irmãos mais novos professores universitários, um em Coimbra e outro que foi aqui governador civil, em Hong Kong.
ResponderEliminarPois o José Manuel publicou há meses atrás um livro "TS e outras histórias do cacimbo". É disto que tu falas neste post.
Um abraço
Manuel Cruz
Estive no sábado ao fim do dia, sentado no Bar do Hotel Vila Galé da Ericeira, a conversar com o Quito, que não via há já vários anos.
ResponderEliminarAs perguntas atropelavam-se, as confidências brotavam, as recordações envolviam risonhas temperando as mágoas das doenças de amigos e o desaparecimento de outros que desta curta vida já partiram.
È por isso que aqui vim agora, procurar o ultimo texto do Quito.
Que desperdício o meu não os ler todos regularmente...
O Quito faz, de uma situação sobejamente conhecida, um hino à escrita que nos prende a atenção desde a primeira à ultima palavra.
Encerrando sempre uma moral em que fomos educados e que vai desparecendo connosco.
Que saudades tinha de te ver.
Que saudades tinha de te ler.
Bom Encontro na Ericeira!
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