sábado, 24 de fevereiro de 2018

ENCONTRO COM A ARTE - BELAS ARTES



Antes que o corrector ortográfico entre mentalmente em acção, esclareça-se que, apesar de um jogo de palavras estar subjacente, não existe nenhuma gralha no título. É mesmo "Fe 26", sem acento, o símbolo químico do elemento que ocupa a 26ª posição na Tabela Periódica, um dos mais abundantes elementos na crosta terrestre e que dá a cor vermelha ao sangue. Não são meras  referências enciclopédias sobre o ferro as que se enunciam neste texto, são, antes considerações relevantes no processo criativo de Alexandra Rafael. A força de uma substância que, existindo em todo o lado, por vezes escasseia, como no seu caso, terá, porventura, contribuído para este fascínio pelo ferro, tanto nos materiais como nas ligações autobiográficas e nas suas vivências. Os metais, ferro, cobre, alumínio, têm tido presença quase constante no seu ainda recente percurso artístico, dilatando os territórios da gravura, o que é bem visível  na assumpção da matriz enquanto obra de arte, ou na criação de diversas camadas na gravura tornando-a mais "objectual".

 Simbólica e formalmente, o ferro é, então, o elemento agregador desta exposição que leva no título a sua designação química. Uma árvore que se fragmenta em gravuras de gesso, sustidas numa enorme estrutura de ferro, com vazios que se, por um lado, a tornam incompleta, por outro criam espaço para outras interpretações.
Uma espécie de relicário, que mapeia e arquiva um tempo passado, composto por centenas de frascos, cada um com uma memória fixada (eternizada?) num papel de gravura, num bocado de ferro, ou em matéria orgânica. Um conjunto de matrizes em cobre (poderia ser ferro...) nas quais são gravadas composições manuais feitas a partir de radiografias e ecografias, que ganham profundidade com alguns fragmentos dessa mesma gravura, suspensos em diferentes camadas, como se estivéssemos a desbravar os campos (ocultos) de uma memória, tornado-a, neste instante, também nossa.

E, fechando-se no discurso expositivo, o ciclo, porém, abre-se com a apresentação das próprias gravuras, revelando estes "Ecos" da memória de Alexandra Rafael que, assim, emergem para o colectivo.Trazem consigo, estas matrizes e gravuras, a memória de um árduo e complexo processo, composto por diversas fases de criação e construção, ao mesmo tempo que nos convocam para a contemplação do belo e de uma certa nostalgia de um tempo que j´tendo sido, continua a sê-lo. Estes "Ecos" são repetições longamente reiteradas, são sons que se refectem, são ressonâncias que ficam (lhes ficaram) como marcas. São, no fundo, as suas memórias que, através de registos médicos e imagéticos, resgatam a presença da avó materna na vida de Alexandra Rafael.
Afinal. poder-se-à dizer, sempre voltamos aos factos.



Falando de afectos, revela-se, pois, o outro lado do jogo de palavras. Coloquemos, portanto, o acento que intuitivamente sentimos que faltava. Sim, a fé. De fé também fala esta exposição, não tanto no seu sentido religioso, antes do literal. A fé em encontrarmos outros significados nos objectos que nos rodeiam, a fé de, ao activar a memória nessa procura, nós  próprios começamos a entender a arte e a vida de outra maneira e lhe darmos outro sentido e formalidade. Dizia o ditado francês, que tanto inspirou Marcel Duchamp e a Arte Contemporânea:" Tell me whom you haunt and I will tell you who you are". Quem seremos nós!  
                                                                                                                                  Ana Matos
                                                                                                                                Janeiro 2018

Com um beijinho dos tios Celeste Maria e Fernando com o desejo dos melhores êxitos

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