(foto net)
- Ai chefe … chefe … que grande bronca … nós nem sabemos como
desatar este atilho …
O chefe sentou-se, puxou do charuto e engoliu o fumo. Olhou o
Tomé Alcapone, remexeu-se na cadeira e vomitou o fumo inspirado na cara do
suplicante. Depois, ameaçador para a roda dos circunstantes, vociferou:
- Já percebi … vocês meteram outra vez a pata na poça e agora
vêm aninhar - se debaixo da minha asa não é verdade … bem mas o que é que se
passou?
Foi então que Arnaldo Pensador deu um passo em frente,
espirrou para um enorme lenço encarnado e miou de fininho:
- Chefe … como sabe o Albino Cabeça de Pardal esteve mal …
estava cá com uma catarreira na garganta que até pensámos que ia esticar o pernil … depois alguém chamou
o médico que apareceu aqui num carrão todo luzidio mas não avisaram o grupo e
depois…
- E depois …? – rosnou o chefe com cara de poucos amigos …
- Depois a malta quando viu o funcionante com uns pneus
novinhos em folha … gamámos as rodas e deixámos o veículo em cima de quatro
cepos de eucalipto …
Foi então que o Chefe se levantou da cadeira. Por segundos
passeou-se pela sala de mãos atrás das costas embrenhado nos seus pensamentos,
enquanto o grupo se entreolhava para a saraivada de fogo que viria a seguir e
veio: o chefe deu um enorme murro em cima da mesa e sem que ninguém se
atrevesse a abrir o bueiro descarregou:
- Suas bestas … suas cavalgaduras … então o médico vem aqui porque um dos nossos está à rasca e vocês palmam-lhe as rodas do carro e ficam todos orgulhosos da estupidez dessas vossas cabeças de andorinha … vocês são a vergonha da profissão … que falta de sensibilidade e de ética … vocês nunca vão ser nada na vida …
Depois, colérico, prosseguiu:
- Mas a culpa é minha que vos fiz meus colaborados, a pensar
que tinham um pingo de inteligência e não o monte de serradura que têm dentro dessa
caixa córnea … são primários … nem para roubar as caixas das esmolas das
igrejas servem … aliás coisa que nunca fiz, pois sou católico praticante e homem
de valores …
E sem se deter:
- Subi a pulso na profissão e se hoje ostento a alcunha de
Lourenço d` Arrábida, é porque no nosso universo do gamanço dizem que eu até
sou capaz de roubar a ponte da Arrábida numa noite … mas a fama saiu-me do corpo
… aos 10 anos de idade já eu me levantava ás 7 da matina, para me meter nos
elétricos a abarrotar de tansos e de camones a quem eu aliviava as carteiras e
as máquinas fotográficas aos amaricanos que iam fotografar a Torre dos Clérigos
… mas vocês não tiveram que esgravatar pela vida porque são uns copos de leite
… uma cambada de imbecis !!!
Então calou-se. E, mais conciliador, ajeitou o nó da
gravata amarela às flores que mais parecia um repolho e deu as suas ordens:
- Tu … tu… e tu …
amanhã vão assaltar a Caixa Geral de Depósitos de Matosinhos … mas estão
avisados … não quero tiros porque tiros
só nas barracas da Feira Popular… quero um trabalho limpinho e honesto … tu
Zacarias Pé de Salsa entras na agência e puxas do seis tiros e pedes
gentilmente ao caixa que faça a fineza de te passar o saco da massa … mas faz
isso com um sorriso gentil que a
educação não custa dinheiro … tu Nelo Contrabandista ficas dentro da
agência a controlar os clientes … mas lá
por teres uma cuspideira na mão não tens o direito de assustar as
pessoas … e acaba lá com o maldito vicio
de trincar pipocas durante o assalto que a clientela até pode sentir-se ofendida
com a tanta descontração … e tu Renato Maravilhas ficas cá fora com o motor do
carro a trabalhar, mas não te ponhas a ler as notícias do Benfica na “Bola” ou
a ver as mulheres nuas na página dos Classificados do “Correio da Manhã”, que
foi assim de tão babado que estavas que nem viste a bófia a morder-te os calcantes,
que te valeu cinco anos de férias na pildra de Paços de Ferreira a comer
cabeças de chicharro e latas de atum …
- Mas Chefe … então e as rodas do carro do Doutor que já as
vendemos ao Celso Fininho da Areosa que deu um bom guito por elas ?
- Roubem outras e reponham o que irresponsavelmente
subtraíram que é essa a vossa obrigação de pessoas de bem e também para
limparem essa vossa consciência mais negra que uma carvoaria … e já agora vejam
se arranjam umas jantes de liga leve para amenizar o prejuízo ao homem, que
deve estar todo ofendido e limpar a rica imagem de ingratidão que deram a quem
salvou o Albino Cabeça de Pardal de levar em cima com três badaladas do sino …
Quito Pereira
E ralmente um "estória" d´Arrábida, que nem o Lourenço da Arábia se lembrava de contar, CARAGO!
ResponderEliminarMas está com muita graça e...pedagógica!
Só me ocorre um adjectivo... e bem comprido: ahahahahahahah
ResponderEliminarQuem conta uma história destas, com descrita de forma tão precisa, é porque já andou no Métier...
ResponderEliminarFrancamente, gostei desta postagem.
ResponderEliminarAqui, quando as pessoas vão ver filmes de carro, no fim quando arrancam fazem muito barulho mas não andam porque estão assente em tijolos. O que me deixa admirado é que nem os fulanos do carro nem os vizinhos notaram. É serviço limpo.
A ponte de Aarrábida, talvez valesse a pena. Punham-lhe uns barcos de "borracha" por baixo e com os pilares iam fazer arranha céus para outro lado.
Enfim, Quito. Esta bricadeira para te dizer que valeu a pena. Venham mais.
Por momentos pensei que esse Lourenço era o irmão de um amigo de Fala.
ResponderEliminarMas esse vive em Aveiro. Foi quase...
Esse é o Lourenço da Estrela.
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