Solidariedade não tem cor ...
É difícil a qualquer cidadão mais sonhador, viver nos antípodas da sociedade competitiva de hoje. É estranho conviver com o que hoje de manhã é verdade e logo à tarde é mentira. É complicado também entender numa nova terminologia, em que triunfalismo pode ser sinónimo de humilhação. Ontem, em mais uma jornada do pontapé na bola, uns insulares em tarde desastrada, beberam do fel de um resultado esmagador. Os da casa, acicatados na mira de se aproximarem do rival odiado, fizeram uma exibição de luxo, perante uma fiel plateia sem rosto e inorgânica, usando um palavrão recente noutros contextos. O adversário era fraco. Muito fraco. E mesmo nessa circunstância e com o resultado a avolumar – se e a vitória inequívoca perfeitamente desenhada, continuaram o massacre. Assim, naquela arena de Roma dos tempos modernos e salvo as devidas proporções, o que se viu a determinada altura, foi não a vontade de uma vitória expressiva, mas uma degola de inocentes, ou seja, o total desrespeito por colegas de profissão. Humilhar era a palavra de ordem e, em circunstâncias normais, as instruções de acalmar a fúria, deveria ter vindo de fora para dentro do recinto de jogo. Recrear e não continuar a pontapear quem já estava caído no chão. O cheiro azedo da covardia. Do lado do antagonista, estavam homens que ganham a vida a jogar futebol e alguns com famílias a cargo. Podiam perder por um resultado pesado. Mas não sujeitos a um vexame. Têm pouco que se vangloriar neste aspeto - e apenas neste aspeto - os profissionais da águia. De resto e bem, pugnaram pelos interesses de quem lhes paga. É apenas a falta de respeito por colegas de profissão que eu contesto, num campeonato profissional. Eu admitiria este tipo de incentivo de ganhar por números irreais, se fossem os inimigos que tradicionalmente andam na peleja pelo título. Sim, reforço inimigos. Mas não oferecer um castigo a um clube que, como mostra a classificação, é muito modesto na arte de jogar à bola. Ontem, quem tradicionalmente sempre teve grande dificuldade em saber perder, mostrou inequivocamente que também tem dificuldade em perceber que ganhar não é a arte da soberba e muito menos da acefalia de alguns como um comentador da TV que no seu discurso babado e idiota dizia entusiasmado : “podiam ter dado catorze ou quinze”. Uma verdadeira glória ! E este discurso, extravasa o próprio âmbito desportivo. Revela apenas e só o tenebroso pensamento de uma sociedade que só olha para o seu próprio umbigo, movendo-se pelos seus próprios valores e construídos à medida dos seus subterrâneos interesses, mesmo que para isso seja preciso esmagar os outros. Naturalmente que este discurso é transversal aos outros clubes portugueses da Liga Principal de futebol e capazes de tal façanha. Humilhação, será sempre sinónimo de covardia. Nesta e noutras circunstâncias da vida. Porque a Estrela Polar que vemos em noites de breu, indica o norte ao caminhante. O norte dos afetos. O norte de respeitar os outros. O norte de perceber que todos temos o direito à indignação. Afinal, o norte de perceber que até numa contenda desportiva, há um código deontológico para quem não se consegue defender. Até no boxe, há uma contagem de proteção do lutador caído no ringue. Mas quem não sabe é como quem não vê.
E é por isso que eu venero António Bentes. No dia em que foi ter com o árbitro e lhe disse que o golo que meteu pela Briosa em Elvas, era inválido e que o adversário tinha razão. Bentes demarcou – se dos simples mortais e andará lá pelas bandas do Olimpo. E eu, terreno que sou e cheio de defeitos, cá vou olhando de longe este circo de gladiadores e desta sociedade perversa com laivos de uma fraternidade mascarada.
QP
Para curar a soberba destes profissionais de pacotilha faz-nos falta a equipa de amadores onde pontificavam o Jorge Humberto, o Bentes, o Manuel António, o Gervásio, o Artur Jorge, o Rocha, os irmãos Campos...
ResponderEliminarBem observado, Rui! Mas deixa-me contar -te esta coisa curiosa do futebol profissional e dos seus bastidores: em 2014 no campeonato do mundo de futebol, o Brasil, país anfitrião, defrontava a Alemanha. Supostamente, um jogo que se previa equilibrado, descambou para um resultado escandaloso ao intervalo para os alemães que cilindravam o Brasil. Ao intervalo e ainda surpreendidos com tanta facilidade, os jogadores alemães acordaram entre si, apenas gerir o resultado na segunda parte, por respeito aos brasileiros e aos colegas canarinhos de profissão. Vi isto num canal da cabo, numa entrevista, confidenciado por um dos jogadores da Alemanha que jogou essa partida e que já se tinha retirado da competição, mas que me falha o nome. E, como sabemos, os alemães nunca foram muito dados a sentimentalismos. O resultado foi gordo: 1 -7 para a Alemanha e acredito que o golo do Brasil se calhar até foi consentido para acalmar as hostes. Os bastidores do futebol .. .
EliminarUm abraço
Os alemães de facto são tidos como frios e calculistas.
ResponderEliminarMas no caso que contas mostraram que a dignidade do adversário só lhes valorizaria o triunfo.
Fizeram muito bem...
Não concordo com a vossa opinião, mas que respeito.
ResponderEliminarPergunto:até que altura do score, 1,2,3,4,5,6,7, a 0 passava a ser humilhação do adversário?
Falhar de prepósito o penalti, o jogador chegar junto do guarda redes e em vez de marcar golo lhe entregasse a bola ou a enviasse para fora,andassem no seu meio campo a trocar a bola entre si, etc.
Falta de Fairplay passou-se há uns anos num jogo entre Braga e Guimarães em que nenhum queria perder e quem se lixou foi a Académica... empataram 0 a 0!
Mas quem está certo eu ou tu Quito?
O texto é óptimo para discussão sobre o assunto:Fairplay not Fairplay!
Foi mais grave que isso. Empataram não 0-0 mas 1-1. Atrasaram o inicio de jogo 20 minutos para assim que soubessem da derrota da Académica com o Porto ajeitassem o resultado como lhes convinha. Como estava 1-0 o Guimarães deixou o Braga fazer 1 golo depois foram cada um para seu meio campo até ao fim do jogo. A cassete do crime foi destruida e os criminosos que confessaram tudo no Telejornal das 8 ainda andam por aí armados em tipos "sérios" e "pais de família" ...
EliminarMeu caro Rafael
ResponderEliminarNão falemos de Fairplay. Talvez seja melhor falarmos de ética. Mesmo que essa ética seja surda. O faz que joga mas não joga, para não desfazer o adversário e humilhá-lo para gaúdio dos sócios, seja aqui ou na Austrália. E, nesta coisa de resultados forjados e do que se passou em Guimarães, também não somos santos. FRETES também nós fizemos e quando estiver contigo conto-te uma estória de perder para se fazer um jeito ao adversário. Ninguém está impune neste pântano. Reafirmo tudo o que disse e não tiro uma virgula. E isto é transversal a TODOS os clubes e apenas o Benfica neste particular por ter sido protagonista. Acresce que toda a minha familia da parte da minha mãe é do Benfica e que tenho por todos eles uma profunda estima. O meu primo Serras, que joga no Esperança de Lagos, é louco pelo Benfica. Tendo Benfica TV em casa, pega no carro e nas noites europeias e não só, vai a Lisboa apoiar o seu clube do coração e faz diretas de Lisboa para o seu emprego em Portimão. Faço-lhe ver do perigo de conduzir de noite e sem dormir pela autoestrada do sul só por causa do Benfica, mas é falar contra uma parede. Por isso, nada me move contra o Benfica e tenho muitos amigos que gostam da águia. Nunca um clube foi fator de antipatia minha por alguém. No que escrevi apenas está em causa que podiam evitar aquele resultado, aliás no fim do jogo, alguns jogadores do Nacional sentiam que aquilo era uma nódoa na sua carreira. Não havia necessidade . Não são amadores, são profissionais que vivem do futebol e que hoje jogam aqui e amanhã noutro lado qualquer. Porquê ganhar por 10, se o que estava em causa era apenas 3 pontos na tabela classificativa? Será que a verdade desportiva, também incluiu o humilhar do adversário? Há algum código que diga isso ?
Isto faz-me lembrar a história do velho, do rapaz e do burro: se marcam mais golos, coitadinhos dos que perdem; se deliberadamente não marcam, levam com tomates podres dos seus adeptos...
ResponderEliminarFelizes as crianças, que jogam à bola com a regra do "vira aos cinco e acaba aos dez"... e ninguém discute isso (se não quiser levar uma barrela com urtigas)!