Estremoz ...
Ainda hoje não consigo entender
muito bem se andei no exército ou se penei na tropa. Exército tem outro
estatuto, a lembrar fardas de cerimónia e bonés com adereços dourados e espadas
de Cavalaria. Um dia vesti de cerimónia, com um casaco e um boné todo catita
que nada tinha a ver com aquela boina castanha que parecia um disco voador.
Mas fiquei mal na fotografia tipo postal para o meu bilhete de identidade
militar. Também não era de admirar, que o casaco era sempre o mesmo para todos
vinte ou trinta mancebos que estavam atrás de mim na fila. Fosse gordo ou
magro, o casaco tinha que servir para a função, ficasse tipo bóia de praia para
os mais magros ou colete de forças a rebentar pelas costuras para os mais
gordos. Foi apenas nesse breve instante da fotografia que tive um estatuto dourado.
De resto, manda a minha honestidade dizer que andei na tropa. Não frequentei
messes com senhoras da sociedade a abanar leques coloridos e a ouvir um
qualquer capitão a tocar num piano desafinado. Muito menos de beija - mão como
manda a regra da etiqueta. Andei por bares, tabernas e casas de pasto, onde se comia e bebia mais
barato. Sem punhos de renda ou outras mordomias. As toalhas de mesa eram de plástico, com
quadrados azuis escuros e outros mais claros, que davam ao local uma
identidade sem equívocos – tasca. Mas o vinho era bom e a Dona Alice de
Estremoz, que tinha uma taberna lá num cantinho escuro, fazia um ensopado de borrego
de fazer sorrir um morto. E eu, repimpado num banco de madeira mais o Roxo que
era estremocense de nascimento e sargento de carreira, a mastigar aquele
manjar. Vinha mais borrego e mais vinho. E pão com côdea a estalar de quente.
Depois girávamos à vida, até porque nenhum de nós dormia no quartel. Eu, a cantarolar
um fadinho de Coimbra, ia para o meu quarto alugado mais leve. Já ele tinha
tarefa mais pesada, que era explicar à mulher porque tinha chegado a casa
àquela hora a cheirar a mosto e uma barriga de tambor que não iludia a
jantarada. Mas nada que nos arredasse de na alvorada seguinte nos perfilarmos
de continência ao hastear da Bandeira Nacional. Mas primeiro estive em Beja.
Foi um degredo. Muito calor e comia no quartel. Manda a verdade dizer que as
refeições nem eram más. Mas faltava aquele compromisso de rua com outros
camaradas de armas, à procura de um abrigo à sombra onde conversar e
confraternizar fora do ambiente do quartel. E havia aquele papel odioso que se
chamava “dispensa de recolher” que marcava a ditadura de um horário para cruzar
a porta de armas de meninos
obedientes, como de fossemos todos um
bando de meninas virgens vigiadas pelo pai austero. De Beja, só me lembro de
ter passado numa rua e ter olhado para uma vivenda e um habitante de lá me dizer
de dedo indicador espetado como se me apontasse o Mosteiro do Jerónimos … olhe
ali naquela casa mora a Antónia Tonicha !!! Uma semana depois parti. Nas voltas
da tropa, um dia fui então tropeçar em Estremoz. Hoje recordo o Roxo com
saudade, até porque já partiu como alguns outros. Ficaram - me na retina, no
olfato, nos ouvidos e no paladar, as planícies silenciosas do belo Alentejo, o
vinho e o borrego da tasca da Alice e esse enfermeiro maluco chamado Azevedo, que era natural do Porto e que na pia da
enfermaria onde depositava as seringas usadas que eram de vidro para depois as
desinfetar em tachos de alumínio com água a ferver , também lavava os legumes
que depois comia com atum e sobreviveu ! Mas é irrelevante. Aquele casqueiro
alentejano a estalar – me na boca e aquele tinto encorpado a rezar- me na garganta
desculpa tudo !
QP
Pois!... Também não sei se andei na tropa ou no exército cumprindo o serviço militar obrigatório!
ResponderEliminarTambém não tive farda de gala, nem para a fotografia!..
Quando podia, tanto cá como no outro lado do planeta, que diziam também serem terras portuguesas, comi sempre bem. Tudo boas recordações...
O único sargento que conheci que comia bem (muito bem) foi no barco, tínhamos mesas de 8 lugares e a sobremesa, quando era pudim, que deveria ser para 8, o empregado de mesa perguntava-lhe: O senhor sargento quer todo ou só metade?...
Fiquei curiosa: o que o "senhor sargento" respondia ao empregado de mesa?
EliminarQuando estava bem disposto, respondia: Pode ser só metade, a outra metade divida pelos restantes 7. Estando menos bem disposto: Traga outro que este é todo para mim...
Eliminarmas que filho de uma...mãe!
EliminarNão hà nada como recordar tempos passados e que nos marcam para sempre.
ResponderEliminarPelos vistos Estremoz foi um tempo de passagem para outras margens...
Nessas as recordações serão outras...
Eu também pensei em tempo de tropa... Mas uma tropa fandanga!
"...como de fossemos todos um bando de meninas virgens vigiadas pelo pai austero..." acabei-me de rir, a imaginar se fosse o Quito uma dessas!
ResponderEliminarMas, deixem-me dizer umas (in)verdades: é nos porões que acontecem as melhores festas. As coisas da vida muito regradas...nada de graça elas têm.
Certamente se vocês estivessem no "andar de cima", agora estariam a vomitar a injustiça ingerida, porque certamente a consciência estaria a lhes cobrar atitudes mais...nobres.
Posto isto, contentem-se: vocês participaram da melhor parte de tudo.