quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

ENCONTRO COM A ARTE - PROSA - Covid

 A avó já pouca ajuda dava em casa. Baralhava-se muito quando o reboliço da manhã começava.

_ Avozinha, hoje quero torradas com leite frio!

_ Avozinha, eu queria cereais no leitinho morno.

_ Mãezinha, podes pôr a água a aquecer para o nosso chá?

_ Oh! sogrinha, estou atrasado, não me tira um café, por favor!...

Era uma confusão, ora saíam os cereais com leite frio, ora ligava a chaleira sem água e a torradeira sem pão, esquecia-se de pôr o pó para fazer o café ...

Quando todos abalavam ela deixava cair algumas lágrimas lamentando já estar a atrapalhar em vez de ajudar.

O Covid veio a acelerar a sua angústia. E se os seus meninos adoeciam por causa dela?!!!! 

Com a desculpa de serem muitos lá em casa, seria melhor ela ir para um lar.

"Nem pensar", disse logo o genro!

 " Mãezinha, foste sempre o nosso amparo e agora queres que te deixemos abalar?!, é que nem penses!

Os netos abraçaram-na com toda a ternura e suplicaram-lhe que ficasse. Se fosse preciso eles não tiravam a máscara nem que fosse preciso dormir com ela posta.

Chorosa,  então contrapôs: seria ela que iria usar máscara sempre que eles estivessem por perto.  Preferia morrer a ver adoecer os seus amores. 

Mas o malvado Covid também chegou lá a casa. Foi ela a sentir os primeiros sintomas. Lutou contra a morte, semanas atrás de semanas. A maior angústia foi a ausência dos que mais amava. 

Quando lhe disseram que podia voltar a casa, apenas perguntou se poderia contaminar alguém. Preferia morrer a contagiar qualquer pessoa que fosse....

Georgina Ferro


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